Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023012, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.9592 1
DA LUTA FEMINISTA AOS ESTUDOS DE GÊNERO: BREVE REFLEXÃO SOBRE
A IMPORTÂNCIA DESSA CATEGORIA NO ENSINO DE GEOGRAFIA E NO
COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
DE LA LUCHA FEMINISTA A LOS ESTUDIOS DE GÉNERO: BREVE REFLEXIÓN
SOBRE LA IMPORTANCIA DE ESTA CATEGORÍA EN LA ENSEÑANZA DE LA
GEOGRAFÍA Y EN EL ENFRENTAMIENTO DE LA VIOLENCIA CONTRA LA
MUJER
FROM FEMINIST STRUGGLE TO GENDER STUDIES: A BRIEF REFLECTION ON
THE IMPORTANCE OF THIS CATEGORY IN THE TEACHING OF GEOGRAPHY
AND IN THE FIGHT AGAINST VIOLENCE AGAINST WOMEN
Rahyan de Carvalho ALVES1
e-mail: rahyan.alves@unimontes.br
Victória Caroline VIDAL2
e-mail: victoria.caroline.vidal.13@gmail.com
Iara Soares de FRANÇA3
e-mail: iara.franca@unimontes.br
Como referenciar este artigo:
VIDAL, Victória Caroline; ALVES, Rahyan de Carvalho;
FRANÇA, Iara Soares de. Da luta feminista aos estudos de
gênero: breve reflexão sobre a importância dessa categoria
no ensino de Geografia e no combate à violência contra
mulher. Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente,
v. 7, n. 1, e023012. e-ISSN: 1984-1647. DOI:
https://doi.org/10.35416/2023.9592
| Submetido em: 27/09/2022
| Revisões requeridas em: 18/05/2023
| Aprovado em: 30/06/2023
| Publicado em: 14/08/2023
Editoras:
Eda Maria Góes
Karina Malachias Domingos dos Santos
Roberta Oliveira da Fonseca
1 Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Montes Claros MG Brasil. Professor da graduação e do
Programa de Pós-Graduação em Geografia. Doutorado em Geografia (UFMG).
2 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte MG Brasil. Mestranda em Geografia pelo Programa de
Pós-Graduação em Geografia.
3 Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), Montes Claros MG Brasil. Professora da graduação e do
Programa de Pós-Graduação em Geografia. Doutorado em Geografia (UFU).
Da luta feminista aos estudos de gênero: breve reflexão sobre a importância dessa categoria no ensino de Geografia e no combate à
violência contra mulher
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023012, 2023. e-ISSN: 1984-1647
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RESUMO: O presente artigo versa sobre a situação de subalternidade das mulheres, proveniente
das práticas e discursos que pautam a hierarquização histórica de gêneros. Nesse ínterim, tecemos
reflexões sobre: as contribuições do movimento feminista na visibilidade de pautas das mulheres;
apresentamos a conceituação da categoria gênero, a introdução deste estudo na academia brasileira;
a aproximação com a ciência geográfica e a importância dessa categoria no ensino de Geografia.
Para tanto, estabeleceu-se o diálogo entre autores diversos que discutem sobre as temáticas:
Movimento Feminista; Gênero; Geografia de Gênero; Violência de Gênero e Violência contra a
Mulher. Concluímos que negligenciar a categoria gênero é ser conivente com a violência de gênero
que tantos danos físicos, psicológicos e morais causam às vítimas. É perpetuar a violência contra a
mulher. Discorrer sobre gênero é ir de encontro a este problema que acompanha a vivência
feminina; é unir forças, alçar a voz e dizer: basta.
PALAVRAS-CHAVE: Feminismo. Geografia de gênero. Violência contra a mulher. Ensino de
Geografia.
RESUMEN: El presente artículo aborda la situación de subordinación de las mujeres, derivada
de las prácticas y los discursos que sustentan la jerarquización histórica de los géneros. Mientras
tanto, reflexionamos sobre: las contribuciones del movimiento feminista para la visibilización de
las agendas de las mujeres; presentamos la conceptualización de la categoría género, la
introducción de este estudio en la academia brasileña y el acercamiento con la ciencia geográfica;
y luego discutimos la turbulenta situación de esta categoría en la educación básica: los avances,
obstáculos y retrocesos en el contexto político actual. Para ello, se estableció un diálogo entre
diversos autores que discuten los temas: Movimiento Feminista, Género, Geografía de Género,
Violencia de Género y Violencia contra las Mujeres. Concluimos que el desinterés por la categoría
de género contribuye con la violencia de género que tanto daño físico, psicológico y moral causa
a sus víctimas. Es perpetuar la violencia contra las mujeres. Discutir sobre género es encontrarse
con este problema que acompaña a la experiencia femenina; es unir fuerzas, alzar la voz y decir:
basta ya.
PALABRAS CLAVE: Feminismo. Geografía de género. Violencia contra las mujeres. Enseñanza
de la geografía.
ABSTRACT: This article addresses the situation of women's subordinate status, arising from the
practices and discourses that guide the historical hierarchy of genders. In the meantime, we reflect
on the contributions of the feminist movement to the visibility of women's agendas; we present the
conceptualization of the gender category, and its introduction in Brazilian academia, as well as its
connection to geographic science and its significance to geography education. To this end, a
dialogue was established among diverse authors who discuss the following themes: The Feminist
Movement; Gender; Gender Geography; Gender Violence and Violence against Women. We
conclude that to neglect the gender category is to with the gender violence that causes so much
physical, psychological, and moral damage to the victims. It is to perpetuate violence against
women. To talk about gender is to go against this problem that follows the female experience; it is
to join forces, raise your voice, and say: enough is enough.
KEYWORDS: Feminism. Gender geography. Violence Against women. Teaching geography.
Victória Caroline VIDAL; Rahyan de Carvalho ALVES e Iara Soares de FRANÇA
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Introdução
As discussões sobre o conceito de gênero adquirem crescente notoriedade no bojo das
ciências humanas e sociais nos decênios finais do século anterior, em virtude das contestações
e denúncias de práticas e ações opressoras arraigadas no cotidiano social, mormente, contra as
mulheres e a comunidade LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer,
intersexuais e outros).
A concepção de gênero refere-se à construção social, histórica, cultural, política e
ideológica do feminino e masculino, no qual circunscreve as condutas apropriadas a serem
seguidas pelo sujeito de acordo com o papel de gênero a ele atribuído. Esta dualidade
feminino/masculino propiciou a assimetria de gêneros em que o feminino é forçadamente
colocado em situação de submissão ante ao masculino. Esta ideia arcaica é refutada pelos
teóricos feministas que mobilizam-se para evidenciar a pluralidade de sujeitos, realçando o
princípio de igualdade, noção premente face aos inquietantes dados de violência de gênero.
No Brasil, dados publicizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP
(2021), pautado no sistema das polícias estaduais, apontam que a cada 10 minutos uma mulher
é vítima de estupro. Em 2014, ocorreram aproximadamente 48 mil casos de estupros; 45.460
estupros em 2015; 49.497 estupros em 2016; 60.018 estupros em 2017; 61.032 estupros em
2018; 65.700 estupros em 2019; 60.926 estupros em 2020 e 56.098 estupros em 2021 (Gráfico
1). Estes dados incluem o estupro de vulnerável e são cometidos majoritariamente contra o
gênero feminino, 90% dos casos (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA,
2015; 2016; 2017; 2018; 2019, 2020; 2021; 2022).
Gráfico 1. Ocorrência do crime de estupro no Brasil entre 2014 e 2021
Fonte: FBSP (2015-2022). Organizado pelos autores
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Este cenário violento também é explicitado nas ocorrências policiais de homicídios de
mulheres pelo fato de serem mulheres, o feminicídio. Foram registrados 1.136 casos em 2017;
1.206 casos em 2018; 1.326 casos em 2019; 1.350 casos em 2020; e 1.319 casos em 2021
(Gráfico 2) (ibidem).
Gráfico 2 – Ocorrência do crime de feminicídio no Brasil entre 2017 e 2021
Fonte: FBSP (2018-2022). Organizado pelos autores
Apesar de os dados serem estarrecedores, esta situação é problematizada pouco
tempo, o que denota negligência do campo científico que, sob a égide da neutralidade científica,
omitiu por muitos anos a pluralidade dos sujeitos. A este respeito, evoca-se à Massey (1994)
que defende a constituição do “sujeito universal” na análise e produção teórico-conceitual da
ciência geográfica. O sujeito universal alude à representação parcial e tendenciosa das vivências
espaciais que evidencia, sobretudo, o homem, branco, cristão, heterossexual, de classe média e
ocidental, à medida que obscurece as experiências espaciais dos demais indivíduos que não se
enquadram nestas características: negros, mulheres, LGBTQIA+, povos originários etc.
Nesse viés, os estudos geográficos foram conduzidos de forma fragmentária, com nítida
inclinação à perspectiva machista e elitista. Coaduna-se com Escouto (2019, p. 49) ao afirmar
que “[...] a neutralidade é uma fantasia. Ela simplesmente não existe porque, ao eleger um “[...]
modelo universal”, foi feita uma escolha, um lado foi tomado.” E o lado escolhido em
questão é historicamente privilegiado desmedidamente na sociedade que é, por sua vez,
firmada na acentuada desigualdade de gêneros.
O ato de omitir as experiências sociais e espaciais da diversidade de sujeitos e, por
conseguinte, as disparidades de poder entre eles, torna o campo científico conivente com os
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Victória Caroline VIDAL; Rahyan de Carvalho ALVES e Iara Soares de FRANÇA
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contextos de opressões e violências. Trazer à luz esta discussão é visibilizar, reconhecer e
considerar os sujeitos muito marginalizados. A educação exerce um papel fundamental na
promoção de uma maior compreensão e inclusão da questão ao questionar os alicerces da
estrutura social, abordar suas controvérsias e apontar direcionamentos para a conformação de
uma sociedade mais justa e igualitária.
Diante disso, este artigo discute a importância da inclusão da categoria gênero na ciência
geográfica e no ensino de Geografia. Parte-se do pressuposto de que este enfoque é necessário
e representa um dos caminhos possíveis para superar o atual cenário violento resultante da
assimetria de gênero, a qual afeta profundamente as mulheres. Nessa perspectiva, iremos
colocar em relevo os contributos do movimento feminista à questão, hodiernamente, discorrido
no âmago dos estudos de Gênero; a aproximação deste campo de estudo com a ciência
geográfica; e a inadiável abordagem de gênero no ensino-aprendizagem de Geografia.
Para tanto, estabeleceu-se o diálogo entre autores diversos que discutem sobre as
temáticas: Movimento Feminista; Gênero; Geografia de Gênero; Violência de Gênero;
Violência contra a Mulher, pautando-se nos seguintes autores: ESCOUTO; TONINI, 2018;
HEILBORN; SORJ, 1999; HRUSCHKA; MAIO, 2015; MANINI, 1996; ROCHA; CAMPOS,
2015; SANTOS; IZUMINO, 2005; SILVA, 1998, entre outros.
Nas próximas sessões teceremos reflexões sobre: (I) As contribuições do movimento
feminista na visibilidade de pautas das mulheres; a inserção da temática nos estudos sobre
gênero; a introdução da categoria gênero na academia brasileira; a aproximação desta com a
ciência geográfica; e a importância dessa categoria no ensino de Geografia; (II) discutiremos
retirada controversa da menção da categoria gênero do PNE e da BNCC; III), e, por último,
naturalmente, as considerações finais onde defenderemos que negligenciar a temática é ser
conivente com a violência de gênero, é perpetuar a violência contra a mulher. Discorrer sobre
gênero é ir de encontro a este problema que acompanha a vivência feminina.
Feminismo, gênero e ensino de Geografia em discussão
As questões relacionadas a gênero estão em voga na contemporaneidade, seja na mídia,
sociedade, política, em determinados segmentos religiosos e nos centros de ensino (ESCOUTO;
TONINI, 2018). A temática surgiu no cenário político-cultural na década de 1970 devido à
influência de movimentos feministas norte-americanos e anglo-saxônicos.
Da luta feminista aos estudos de gênero: breve reflexão sobre a importância dessa categoria no ensino de Geografia e no combate à
violência contra mulher
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O ressurgimento do feminismo no mundo ocidental ocorre em um contexto de
florescimento de uma “[...] cultura contestatória, favorável à mobilização social de grupos até
então marginalizados ou oprimidos” (SILVA, 1998, p. 106), a exemplo dos grupos de negros e
homossexuais. A autora afirma que a mobilização feminista foi impulsionada por mudanças
socioeconômicas, tais quais: a progressiva entrada de mulheres no mercado de trabalho, um
avanço dos níveis educacionais; juntamente a mudanças demográficas, como a crescente
diminuição da taxa de fecundidade e o aumento da expectativa de vida das mulheres.
No entanto, a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho não
propiciou, tanto quanto se esperava, uma situação de igualdade social, tendo em vista que as
mulheres se encontram, geralmente, em tarefas menos qualificadas, mais repetitivas e pior
remuneradas, até mesmo a progressão e mobilidade nas carreiras é inferior à dos homens, além
da menor representatividade feminina nos cargos políticos (ANDRÉ, 1990).
Silva (1998, p. 106) pontua que os movimentos feministas surgiram em períodos e com
intensidades diferentes tanto nos países desenvolvidos quanto nos países da América Latina.
As reivindicações foram ampliadas de problemáticas pontuais das mulheres para “[...]
questionar a própria cultura ocidental, incluindo desde o relacionamento privado homem-
mulher até a própria ciência considerada comprometida com a visão masculina do mundo.”
As mulheres adeptas aos ideais feministas denunciaram preconceitos e discriminações
que culminaram na desvalorização histórica da mulher ante o homem nas esferas sociais,
políticas e econômicas. Para reverter essa conjuntura, as mulheres reivindicavam a igualdade
de direitos, além de o devido reconhecimento de suas capacidades e habilidades, como no
mercado de trabalho, por exemplo.
O feminismo, independente de seus matizes teóricos, é um projeto político
comprometido com a mudança social orientado para conseguir a igualdade humana. E, nesse
sentido, explicita as desigualdades de gênero, mostrando como as relações sociais são também
atravessadas por relações desiguais entre homens e mulheres que contribuem para a
subordinação destas, na sociedade (SILVA, 1998).
No Brasil, o movimento de mulheres adquire visibilidade a partir de 1975
(HEILBORN; SORJ, 1999) e, concomitante às contestações de cunho feminista, protestaram
contra o autoritarismo do período militar e o aprofundamento das desigualdades
socioeconômicas do espaço brasileiro (MANINI, 1996).
A princípio, o feminismo requer a resolução de problemas relacionados às mulheres
trabalhadoras, como a falta de creches, dupla jornada, diferença salarial entre homens e
Victória Caroline VIDAL; Rahyan de Carvalho ALVES e Iara Soares de FRANÇA
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mulheres. Posteriormente, as mulheres inserem-se nas manifestações em prol de melhores
condições de vida, abrangendo o transporte, saneamento básico, habitação, saúde e educação.
Ao apontar tais problemas, “[...] o feminismo põe em xeque a distribuição de renda, a
urbanização e industrialização e o próprio sistema político do país” (MANINI, 1996, p. 52).
De acordo com a autora, nos anos 1980, as feministas acrescentam ao debate político
temas até então pertencentes à esfera privada, como: maternidade, aborto, sexualidade,
violência contra a mulher, contracepção, direito ao corpo, prazer, relação com o sujeito
masculino e a família, entre outros.
Para institucionalizar as reflexões impulsionadas pelo feminismo na academia
brasileira, Heilborn e Sorj (1999) esclarecem que os estudos foram denominados de “Estudos
sobre Mulher”, “Estudos de Gênero” ou de “Relações de Gênero”, com a finalidade de
“preencher lacunas do conhecimento sobre a situação das mulheres nas mais variadas esferas
da vida e ressaltar/denunciar a posição de exploração/subordinação/opressão a que estavam
submetidas na sociedade brasileira”.
A partir da década de 1980, verifica-se uma substituição gradativa do termo mulher pelo
termo gênero (SANTOS; IZUMINO, 2005). Tal mudança favoreceu a rejeição do determinismo
biológico, implícito no uso do termo sexo, e enfatizou a construção social do feminino e
masculino. Além do mais, a substituição dos termos “[...] favoreceu a aceitação acadêmica desta
área de pesquisa, na medida em que despolitizou uma problemática que, tendo se originado no
movimento feminista, mobilizava preconceitos estabelecidos” (HEILBORN; SORJ, 1999, p. 4-
5).
Ornat (2008) e Reis (2015) salientam que as questões de gênero foram, primeiramente,
incorporadas pela Antropologia, Sociologia, Psicologia, Ciência Política, História, Filosofia e
outras ciências sociais. O conceito de gênero “[...] é uma construção sociológica, político
cultural do termo sexo, não é uma variável demográfica, biológica ou natural apenas, mas traz
toda uma carga cultural e ideológica” (COSTA, 2011, p. 80).
No entanto, havia uma lacuna quanto às reflexões relacionando gênero e o espaço nas
ciências sociais e humanas. A Geografia supriu essa lacuna dando origem a um subcampo da
ciência, denominado Geografia Feminista e/ou de Gênero, “[...] que nasce no contexto da
segunda onda do movimento feminista” (ORNAT, 2008, p.18).
Narvaz e Koller (2006) discorrem sobre as diferentes fases do movimento feminista: a
primeira onda, durante o surgimento do movimento, ocorreu no final do século XIX e início do
século XX, marcado pela luta das mulheres por direitos civis igualitários na Inglaterra, Estados
Da luta feminista aos estudos de gênero: breve reflexão sobre a importância dessa categoria no ensino de Geografia e no combate à
violência contra mulher
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Unidos, França e Espanha; a segunda onda se desenvolveu nas décadas de 1960 e 1970,
destacando-se aqueles situados nos Estados Unidos e na França; a terceira onda, na década de
1980, é marcada pelas contestações ao conhecimento científico, tido como masculino, e a
aproximação do movimento político e academia.
A Geografia de Gênero, nas palavras de Silva (1998, p. 107) “[...] não é Geografia das
ou de mulheres, pois assim pareceria que estudaríamos a metade da humanidade e que
somente as mulheres poderiam fazer uma Geografia feminista.” A autora, citando Bondi (1990),
esclarece a distinção entre a Geografia Feminista e a de Gênero:
Alguns autores fazem uma distinção explícita entre Geografia Feminista e
Geografia de Gênero, considerando a primeira como aquela que busca uma
transformação não da Geografia, mas também da forma como vivemos e
trabalhamos e a Geografia de Gênero trata o gênero como uma dimensão da
vida social que deve ser incorporada nas estruturas existentes (BONDI, 1990).
Considero que a Geografia dita feminista é aquela que incorpora as
contribuições teóricas do feminismo à explicação e interpretação dos fatos
geográficos e o gênero é um dos resultados dessas contribuições, ou seja, uma
categoria útil de análise geográfica (SILVA, 1998, p. 107- 108).
Os primeiros trabalhos desse subcampo, bem como os estudos gerais sobre gênero,
surgiram na Geografia dos Estados Unidos e da Inglaterra no final da década de 1970 e em 1980
na Espanha (SILVA, 1998), “[...] estavam, sobretudo em foco, nesses estudos, as diferenças e
desigualdades sociais entre homens e mulheres e suas consequências na organização e
utilização do espaço” (ANDRÉ, 1990, p. 336).
As principais referências desse subcampo são “Davis Bell, John Binnie, Gill Valentine,
Nancy Duncan, Richard Phillips, Peter Jackson, Linda McDowell, Gillian Rose, entre outros.”
(ORNAT, 2008, p. 311). No Brasil, destaca-se as contribuições de Claudia Maliszewski
Escouto e Ivaine Maria Tonini (2018); Carmem Lúcia Costa (2011); Joseli Maria Silva (2007);
Márcio José Ornat (2008); Susana Maria Veleda da Silva (1998), entre outros.
Tais autores questionaram a Geografia que, “de uma maneira geral, tem considerado a
sociedade como um conjunto neutro, assexuado e homogêneo.” (SILVA, 1998, p. 108).
Portanto, havia uma luta científica que queria reconhecer a mulher como importante produtora
do espaço (NABOZNY; ORNAT, 2009).
Nesse contexto, conforme ressaltado por Silva, César e Pinto (2015, p. 187):
Eu sou uma mulher e meu corpo possui forma, tamanho e desempenha ações.
Por acaso sou eu um ser não espacial? Ou um problema com a ciência
geográfica brasileira que tem se mostrado incapaz de constituir uma
compreensão da minha realidade espacial como mulher?
Victória Caroline VIDAL; Rahyan de Carvalho ALVES e Iara Soares de FRANÇA
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Silva (2007, p. 120) acrescenta que “[...] o perfil contestatório da pesquisa geográfica
foi criticado e alegava-se que, ao invés de promover discussão e transformação da situação de
subordinação na qual se encontravam as mulheres, havia um reforço da dominação masculina.”
Ao desconsiderar estas questões, a ciência mostra-se condescendente com a opressão social
masculina sobre as mulheres.
Para uma abordagem feminista sobre a produção do espaço é preciso um olhar atento
aos aspectos cotidianos, ao micro-social e aos grupos sociais marginalizados, logo, a abordagem
de gênero abrange o universo micro e macro, envolvendo tanto as relações de caráter familiar
quanto social, o espaço privado e o público. Mas, “[...] tais temáticas foram consideradas
questões de menor importância na análise do espaço geográfico” (SILVA, 2003, p. 33).
Além do pouco enfoque concedido pela Geografia à mulher e as relações de gênero na
produção do espaço, os geógrafos da vertente feminista defendem que a ciência tem se
desenvolvido de forma androcêntrica:
Entendido que o espaço não é neutro do ponto de vista do gênero, torna-se
necessário incorporar as diferenças sociais entre mulheres e homens e as
diferenças territoriais nas relações de gênero. Mas por que completar a
parcialidade dos enfoques tradicionais? Porque a ciência é androcêntrica, isto
é, tem sido parcial desde os seus primórdios, uma vez que desconsiderou a
mulher e as relações de gênero (SILVA, 1998, p. 108).
Por isso, os geógrafos feministas objetivam visibilizar a mulher e acrescentar a
perspectiva de gênero articulando-o com outras relações sociais, como classe, etnia, idade, que
constroem diferentes espaços geográficos (SILVA, 1998).
Dentre as pesquisas nesta área, ressalta-se a contribuição de Bondi (1992), citado por
Silva (2007) que defendeu a ideia de que a produção do espaço reflete os estereótipos
masculinos. O planejamento urbano funcionalista e racionalista “[...] que dominou durante
muito tempo o modo de concepção de cidade aprisiona as mulheres em determinados lugares
ao separar as áreas comerciais, industriais e residenciais, acentuando a divisão do trabalho entre
os sexos” (SILVA, 2007, p. 120). Então, a distribuição funcional da paisagem urbana reflete as
preferências masculinas na produção do espaço.
A perspectiva de que a segregação espacial, além de seguir a lógica capitalista, também
está relacionada com o modelo social patriarcal é defendido por Hurley e Winchester (1991,
apud SILVA, 2007). De acordo com os autores, muitas áreas são marcadas pelo trabalho
feminino com remuneração inferior em relação ao trabalho masculino, implicando em uma
feminização da pobreza urbana.
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violência contra mulher
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Silva (2007, p. 120) acrescenta os espaços de constrangimento e os espaços de
confinamento:
[...] os espaços de constrangimento, como a rua em determinados locais e
horários, ou espaços de confinamento, como as residências em periferias
distantes, são claramente elementos que tanto se referem às diferenças de
acesso físico entre mulheres e homens a determinados espaços, como a
construção de barreiras invisíveis criadas pelo olhar e força daqueles que
impõem sua ordem e alcançam legitimidade.
O diferente acesso físico entre homens e mulheres é constatado por Ornat (2005) que ao
analisar os deslocamentos das mulheres de baixa renda verificou que, geralmente, estes são
menos extensos e frequentes do que os realizados pelos homens da mesma localidade,
demonstrando que as mulheres m vivência reduzida no espaço da cidade. Ademais, os
deslocamentos das mulheres são motivados pelas atividades da maternidade, os registros são
ínfimos quanto a deslocamentos para atender interesses particulares.
Tais contribuições ilustram “[...] a importância de se contemplar o conceito de gênero
como categoria explicativa da produção do espaço” (SILVA, 2003, p. 32), na medida em que
ampliam a possibilidade de apreensão da ação humana sobre/através da superfície da Terra. Nas
palavras de Ornat (2008, p. 320) a inserção das análises de gênero permite “[...] sairmos de
nossos pequenos mundos, estruturados a partir das nossas normas ocidentais de gênero e
sexualidade, para um mundo repleto de diversidade e complexidade.”
Nessa direção, discutir o conceito de gênero articulado à produção do espaço geográfico
consiste em uma abordagem profícua no processo de ensino-aprendizagem, pois abre-se espaço
para uma compreensão mais abrangente da diversidade e pluralidade presentes na produção e
apropriação socioespacial. No ensino básico, é possível explorar as questões de gênero à luz do
conceito de lugar, o que se revela como um percurso pedagógico oportuno por possibilitar a
aproximação do conteúdo com a vivência, experiência e o cotidiano do alunado, tornando a
temática mais esclarecedora e próxima da realidade que eles vivenciam.
Como prática pedagógica, visando promover a conexão dos alunos com o tema e com a
realidade socioespacial em que estão inseridos, o professor pode orientá-los em atividades que
considerem a localização do bairro da escola, os espaços de lazer disponíveis e o deslocamento
e mobilidade pela cidade. Essa abordagem representa um exercício de raciocínio geográfico
que contribui sobremaneira para a compreensão de que as vivências nos lugares são variadas,
influenciadas pela diversidade dos indivíduos, que, por sua vez, também impacta na formação
das suas práticas espaciais. Esse exercício simples auxilia refletir sobre a multiplicidade das
Victória Caroline VIDAL; Rahyan de Carvalho ALVES e Iara Soares de FRANÇA
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existências no lugar, indo além da lógica binária, que são produzidas e reproduzidas no
cotidiano das cidades, nas ruas, bairros, nos espaços públicos e privados (FARIA, 2018;
MASSEY, 2008; MORAIS, 2021).
O professor pode instigar o senso crítico dos educandos a partir de alguns
questionamentos, como: Quais são as características e configurações dos lugares? Quem os
utiliza e se apropria deles? Como as diversas identidades de gênero se posicionam e se situam
nesse contexto espacial? Que tipos de vínculos, significados e usos os diversos indivíduos
atribuem aos lugares? Eles se sentem acolhidos ou ameaçados levando em conta o lugar e o
horário? Essas reflexões podem promover discussões enriquecedoras sobre “[...] quais espaços
cabe cada gênero ocupar, o que se espera de cada um, as rupturas e transgressões quanto a este
aspecto e, inevitavelmente, analisar as relações de poder que podem estar ditando as normativas
daquelas relações” (FARIA, 2018, p. 130).
Com isso, promove-se a discussão de o porquê dado lugar ser atribuído aos meninos
enquanto outros são às meninas e evidenciar as ausências e presenças de diversos grupos sociais
nos espaços públicos e privados. Além disso, torna-se notório a existência de restrições
baseadas no gênero, como as limitações enfrentadas pelas mulheres quanto a sua liberdade de
ir e vir, à sua mobilidade e circulação. Como resultado, suas experiências espaciais são
restringidas em comparação com os homens, devido ao medo de se tornarem vítimas de crimes
violentos, por exemplo (VIDAL; ALVES, 2022).
Ao problematizar a apropriação desigual dos espaços urbanos, destaca-se a importância
de garantir o direito à cidade, especialmente no que se refere a uma vida urbana plena, onde
todos possam desfrutar igualmente dos espaços e serviços disponíveis. Nesse contexto, abordar
a categoria gênero nas aulas de Geografia implica reconhecer que os alunos possuem
identidades de gênero e, ao discutir essa temática, contribui para que se sintam representados.
Além disso, essa abordagem visa desconstruir mitos e tabus, desnaturalizar comportamentos
desmoralizantes, depreciativos e discriminatórios, aprimorando a convivência no ambiente
escolar. É por meio dessa reflexão que construímos pontes para a construção de uma sociedade
fundamentada em valores éticos. Portanto, essa abordagem pelos docentes de Geografia é
fundamental para a formação de estudantes críticos e autônomos, capacitando-os para enfrentar
e, quiçá, construir uma sociedade mais justa e igualitária.
No entanto, mesmo com as contribuições significativas que os estudos de gênero trazem
para o ambiente escolar e para o ensino de Geografia, esse tema tem sido objeto de intensos
debates no campo político, na sociedade civil e nos movimentos sociais conservadores, que se
Da luta feminista aos estudos de gênero: breve reflexão sobre a importância dessa categoria no ensino de Geografia e no combate à
violência contra mulher
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opõem a ele a ponto de se mobilizarem para impedir sua inclusão nas salas de aula, como será
discutido a seguir.
Gênero na educação: as controvérsias em torno da retirada da categoria do PNE e BNCC
O currículo escolar é um território de disputas que desperta especial interesse das classes
sociais dominantes; tal interesse origina-se da percepção do currículo atrelado à prática escolar
como potencial de transformação do contexto de desigualdades sociais. Por isso, estes não
medem esforços para apropriar-se dele e, dessa forma, manter a reprodução de práticas
conservadoras e excludentes no ambiente escolar que reverberam na estrutura social
(BOURDIEU; PASSERON, 1970; NASCIMENTO; CLAUDINO, 2018).
Para ilustrar esta atuação questionável não é preciso que nós aqui adentremos em
períodos históricos marcantes que hoje no Brasil vivenciamos a supressão de temas
relacionados à valorização da diversidade, com destaque a discussão de gênero. Esse panorama
controverso que ora nos encontramos é esclarecido por Rocha e Campos (2022):
[…] entende-se que o momento histórico e político pelo qual o Brasil atravessa
favorece a atuação de grupos conservadores, que disputam o currículo escolar
a partir da interdição de discussões mais plurais e inclusivas. Outrossim,
houve uma interdição significativa no avanço de políticas públicas
progressistas após 2016, e a educação foi uma das primeiras a sofrer as
consequências desse processo (ROCHA; CAMPOS, 2022, p. 6).
Diante desse cenário, é válido frisar a retirada das menções de gênero e diversidade
sexual do Plano Nacional de Educação – PNE, em 2014 e, por conseguinte, também suprimido
da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2018, documento que orienta os conteúdos
a serem tratados em sala de aula, que resultou da articulação de uma ofensiva conservadora
aliada aos poderes legislativo, executivo e judiciário. A este respeito, esclarecem Hruschka e
Maio (2015, p. 79):
As temáticas gênero e diversidade sexual têm gerado muitas discussões na
política educacional brasileira atual, em função da aprovação do Plano
Nacional de Comissão Especial Educação (PNE). A Câmara dos Deputados
que analisou o PNE PL (BRASIL, 2010), havia proposto o texto base do
projeto na 8035/10 questão que trata de gênero no Inciso III do art. como
“superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da
igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”, porém no
Substitutivo do PNE do Senado Federal a redação do artigo foi alterada para
“superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da
cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”.
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Nesse ínterim, a elaboração do PNE e da BNCC foi acompanhada por intensos debates
na sociedade brasileira. De um lado, grupos religiosos e políticos conservadores que se
opunham a menção a gênero e orientação sexual no texto, pois defendiam que estes assuntos
deveriam ser abordados por familiares na esfera privada. Do outro lado, Brandão e Lopes (2018,
p. 116) destacam os “[...] segmentos minoritários da sociedade civil organizada, entidades de
defesa dos direitos humanos, pesquisadores do campo alinhados ao debate contemporâneo
sobre gênero, algumas autoridades governamentais empenhadas com as mudanças por meio do
PNE.”
A retirada dos termos gênero e orientação sexual deve-se a frágil representatividade
políticas dos apoiadores, resultando em uma designação genérica “[...] todas as formas de
discriminação”, sem especificar os conteúdos (BRANDÃO; LOPES, 2018, p.22).
Tal feito foi deveras significativo e sentido pelas minorias que são por ele
representadas. Esta situação, além de denotar a elevada influência deste segmento nas
instituições de ensino, também demonstra, nas palavras dos autores supramencionados: “[...]
um retrocesso no que se refere ao tratamento de questões pertinentes à construção de saberes
de reconhecimento, respeito e valorização das diferenças” (ROCHA; CAMPOS, 2015, p. 11).
Ainda referente a este ponto, os autores defendem que esta intervenção retrógrada vai
em contramão a luta de diversos movimentos sociais, com destaque aos feministas e de gênero,
que buscam a ruptura da estrutura social em vigor e a superação de estereótipos de gêneros que
estão entranhados nos pilares sociais.
Apesar de o conceito de gênero ter sido retirado dos documentos aqui em discussão,
ainda assim prerrogativa para os profissionais da educação tratar do assunto, uma vez
que consta como princípio nas “Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos”
(BRASIL, 2013b, p. 21), documento ainda válido. Logo na introdução é especificado que a
inserção da questão, assim como de outras consonantes às minorias étnico-raciais,
é primordial para a promoção de uma educação democrática, perspectiva apenas possível
com o devido reconhecimento e valorização da diversidade humana.
Este princípio também consta na Constituição Federal Brasileira CFB de 1988 que
prevê no artigo 3º, inciso IV, “[...] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988, p. 11) e com o
Ministério de Educação - MEC, responsável pela implementação de políticas voltadas ao
cumprimento do objetivo constitucional. (HRUSCHKA; MAIO, 2015).
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Entretanto, considerando a circunstância corrente, reconhece-se que tratar este assunto
em sala de aula é uma situação melindrosa ante a criação do termo “Ideologia de Gênero”,
amplamente difundido pela ala política e meios de comunicação de massa, utilizado para
retratá-lo como algo estritamente político, como se tivesse a pretensão de destruir valores e
crenças familiares (JUNQUEIRA, 2016; ROCHA; CAMPOS, 2022).
Essa inverdade deve ser desmentida com os devidos esclarecimentos no ambiente
escolar, conforme pontua Faria (2018, p. 120): “[...] para ocorrer modificações significativas
no ensino, além do desejo de que haja mudanças, é necessário também construir caminhos e
pontes para esta discussão em sala de aula, de modo que os medos e os receios sejam
superados”.
Percebe-se que, não rara às vezes, os docentes evitam o tema ora para não perder o
controle da sala de aula (HOOKS, 2013), ora para evitar possíveis perseguições dentro do
próprio ambiente escolar. Contudo, é inerente ao fazer docente crítico e consciente à adoção de
uma postura de resistência ante a urgência da discussão.
À guisa de conclusão
À face do exposto, realça-se que não há mais espaço na Geografia contemporânea para
omissões quanto à pluralidade e diversidade dos indivíduos e, consequentemente, das
experiências socioespaciais. Esta conduta, de certa forma, faz perdurar desigualdades,
exclusões e estereótipos, pois, ao negligenciar a categoria gênero, sugere-se que seja uma
questão indigna de ser objeto de investigação (ALVES; VIDAL. 2022).
Negligenciar a categoria gênero é ser permissivo com a violência de gênero que tantos
danos físicos, psicológicos e morais causam às vítimas; é perpetuar a violência doméstica contra
meninas e mulheres; o medo de sair à noite, sozinhas; de terem o seu corpo violado; e sepultado
cotidianamente. Discorrer sobre gênero é ir de encontro a estes problemas que acompanham a
vivência feminina; é unir forças, alçar a voz e dizer: basta. Trata-se de uma demanda social que
deve ter a máxima atenção dos profissionais da educação, não isentando-se o docente de
Geografia.
As intempéries que provém das consecutivas falas e medidas tomadas pela ala política,
que tem o intuito de deslegitimar a pertinência da abordagem de gênero na esfera escolar,
intimida alguns educadores que optam por não trabalhar este assunto em sala de aula. A
politização do termo gênero e a retirada de sua menção do PNE e BNCC são retrocessos
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logrados por aqueles que, de certa maneira, se beneficiam da hierarquização de gêneros
emaranhada nas relações sociais. É confortável e cômodo, para eles, permanecer a estrutura
social da forma como está; o medo do desconhecido é o que os motiva a adotar uma postura
conservadora, isto, ou o mero receio de perder a posição de poder sobre os demais corpos.
Mas ainda que tocar nesse assunto seja como mexer desprotegido em um vespeiro, a
situação permanecer como está é insustentável. Os princípios de igualdade, respeito e
solidariedade ao próximo devem sim ser abordados, para tanto, o devido esclarecimento e
diálogo devem se concretizar, a começar pelo ambiente escolar. Para aqueles docentes que
queiram discutir a temática, estes estão resguardados pelas “Diretrizes Nacionais de Educação
em Direitos Humanos”. Desta forma, o docente colaborará para a formação de cidadãos
conscientes, aptos a superar os preconceitos e discriminações que resultam em violência.
Conforme apontam Mello e Tonini (2019), o Brasil é o décimo país mais violento em termos
de violência de gênero.
O educando é dotado de gênero, logo, não abordar o assunto é contribuir para que este
não se sinta representado e que os conteúdos trabalhados não tenham significado na sua
vivência cotidiana. Discutir gênero em sala de aula é desconstruir mitos e tabus; é desbanalizar
ações e comportamentos desmoralizantes, depreciativos e discriminatórios; é melhorar a
convivência no ambiente educacional; é criar meios para a consolidação de uma sociedade
fundada em valores éticos. Para combater as desinformações, os profissionais da educação
devem unir-se e fazer uma frente ampla para munir os setores sociais dos devidos
esclarecimentos, em benefício da diversidade e pluralidade (VIDAL; ALVES, 2022).
Não rara às vezes, -se que os professores de Geografia não trabalham a perspectiva de
gênero pela falta de inserção da temática na formação inicial e continuada. Todavia, esta
justificativa é infundada ante a presença em ascensão da temática na organização de eventos
locais, regionais, nacionais e internacionais, além da publicação de artigos em periódicos e,
inclusive, de periódicos especializados na temática na área da Geografia. Isto sem mencionar o
frenesim que o assunto gera nos meios de comunicação de massa que repercute no contexto
educacional.
À vista disso, urge uma contínua mobilização dos cursos de Geografia, seja para
institucionalizar disciplinas específicas sobre gênero, ou ao menos para incorporá-la nas
múltiplas disciplinas da área da Geografia Humana, enfatizando-se a presença, participação,
contribuições sociais e a produção do espaço da pluralidade de sujeitos. A atuação mais incisiva
é indispensável para a conformação de relações sociais mais harmônicas, pautadas na equidade
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e respeito mútuo que, de certo, impactará positivamente nos índices elevadíssimos de
criminalidade e violência surtidos pela ausência de apreço à diversidade de gênero.
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CRediT Author Statement
Reconhecimentos: Gostaria de agradecer à prof.a Dra. Iara Soares de França pelo
conhecimento compartilhado e pela construção da monografia intitulada “Estupro consumado
e tentado em Montes Claros-MG (2012-2019): Uma leitura a partir da Geografia de Gênero”, a
qual resultou no presente artigo.
Financiamento: Não aplicável.
Conflitos de interesse: Não há conflitos de interesse.
Aprovação ética: Não aplicável.
Disponibilidade de dados e material: Os dados utilizados no trabalho estão disponíveis no
sítio eletrônico: https://forumseguranca.org.br.
Contribuições dos autores: A prof.a Dra. Iara Soares de França orientou o trabalho enquanto
o prof. Dr. Rahyan de Carvalho Alves esteve presente na banca do Trabalho de Conclusão de
Curso. As considerações, sugestões e correções de ambos nortearam o desenvolvimento do
artigo.
Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.
Formatação e normalização.