Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023012, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.9592 1
A URBE AMAZÔNIDA: A FLORESTA E A CIDADE
LA CIUDAD AMAZÓNICA: LA SELVA Y LA CIUDAD
THE AMAZONIAN CITY: THE FOREST AND THE CITY
Áthila Lima KZAM1
e-mail: athila.kzam@ifpa.edu.br
Como referenciar este artigo:
KZAM, Áthila Lima. A Urbe Amazônida: A floresta e a
cidade. Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente,
v. 7, n. 1, e023013. e-ISSN: 1984-1647. DOI:
https://doi.org/10.35416/2023.9539
| Submetido em: 29/03/2022
| Revisões requeridas em: 03/05/2023
| Aprovado em: 13/05/2023
| Publicado em: 13/07/2023
Editoras:
Eda Maria Góes
Karina Malachias Domingos dos Santos
Roberta Oliveira da Fonseca
1 Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), Belém PA Brasil. Professor EBTT.
Doutorado em Geografia (PPGEO/UFPA). Membro do Grupo de Pesquisa “Saberes Geográficos: Diálogos Entre
Ensino, Pesquisa e Extensão” do IFPA.
A Urbe Amazônida: A floresta e a cidade
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023012, 2023. e-ISSN: 1984-1647
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Introdução
Bertha Koiffmann Becker (1930 2013) nasceu no Rio de Janeiro, filha de imigrantes
do Leste Europeu, seu pai era romeno e sua mãe ucraniana. Foi professora do Departamento de
Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Brasileira
de Ciências. Em 1948, formou-se em Geografia e História pela Faculdade Nacional de Filosofia
da UFRJ. Em 1970, tornou-se doutora e Livre-docente pelo Instituto de Geociências da UFRJ.
Em 2000, concluiu o pós-doutorado pelo Department of Urban Studies and Planning nos
Estados Unidos. Com quase cinco décadas dedicadas à produção do conhecimento geográfico,
lançou seu último livro, A Urbe Amazônida: a floresta e a cidade, em junho de 2013.
Sua derradeira obra é uma espécie de síntese das pesquisas desenvolvidas acerca das
cidades amazônicas no contexto de intensa reestruturação urbana a partir da década de 1960.
Dessa forma, através de seu incessante trabalho, procurou elaborar e disseminar o paradigma
do desenvolvimento autóctone e sustentável com objetivo de proporcionar avanço na qualidade
de vida de mais de vinte milhões de pessoas que residem na região.
A obra, com oitenta e oito páginas, é dividida em quatro capítulos e possui como tema
a dialética entre a floresta e a cidade, elementos consagradamente abordados como dicotômicos
e sinônimos de conservação e desenvolvimento, respectivamente. Porém, a autora estimula um
novo entendimento: por que não compreender a floresta a partir da urbanização? Para isso,
propõe o debate sobre um novo modelo de desenvolvimento regional que possa aliar a
conservação dos recursos naturais, a inserção da população nativa e o crescimento econômico.
Assim, a autora consegue através de uma leitura simples, e nem por isso avessa às
perspectivas teóricas, tornar o compêndio um dos mais importantes componentes de sua vasta
e riquíssima bibliografia e trajetória acadêmica que, aliás, confunde-se com a própria história
recente da região, muito bem identificada na linha do tempo no final do livro (p. 69).
É inegável que o diálogo estabelecido com Peter Taylor, da Loughborough University
do Reino Unido, coordenador da Rede de Pesquisas sobre Globalização e Cidades Mundiais
(GaWC), foi um dos principais estímulos à obra. Além disso, a vivência empírica da autora,
iniciada com as pesquisas de campo na época em que lecionava Geografia no Instituto Rio
Branco, momento em que reformulou a grade curricular a fim de valorizar a pesquisa de campo
e, consequentemente, proporcionou aos futuros diplomatas o conhecimento prático da
diversidade regional do país, revela que desde o início de sua atuação como docente e
pesquisadora tornou viável a associação entre o referencial teórico e as observações realizadas
no campo, exatamente o que o livro propõe.
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No primeiro capítulo, intitulado “Fundamentos da Análise”, Becker diferencia as
atribuições do Estado (na qualidade de instituição política) do papel exercido pelos núcleos
urbanos como centros das atividades produtivas, preconizando, portanto, a associação entre
economia e política. Dessa maneira, a ação estatal e a dinâmica do mercado são elementos
centrais ao entendimento da inter-relação entre geografia política e economia na produção das
diferentes territorialidades do mundo contemporâneo, com destaque à Amazônia.
Becker não concorda com abordagem tradicional de que as cidades foram criadas a
partir de excedentes agrícolas. Igualmente, ao falar do espaço dos fluxos, afasta-se da teoria dos
lugares centrais de Walter Christaller que, factualmente, orientou os estudos geográficos.
Ancorada na perspectiva teórica de Jane Jacobs (urbanista e ativista social norte-americana), a
autora realiza uma diferenciação entre trabalho velho e trabalho novo, ampliando a discussão
teórica de Karl Marx sobre o trabalho morto e o trabalho vivo, ao recomendar uma teoria das
cidades, na qual as particularidades de cada núcleo se traduzem no incremento econômico em
função da ampliação da divisão do trabalho (técnica e social). À vista disso, a partir das cidades
se propagam surtos de crescimento capazes de impulsionar a região pela ampliação das
exportações e expansão do mercado urbano.
O primeiro capítulo encerra destacando que, historicamente, os núcleos urbanos se
apresentaram como a “base logística de expansão da fronteira. Por esse intenso processo, a
região foi denominada de floresta urbanizada” (p. 33-34). Ademais, aborda que modelos
diferenciados da ocupação histórica estão presentes na geografia, na cultura e na arquitetura,
uma vez que a realidade socioespacial é extremamente heterogênea. Logo, o reconhecimento
dessa diversidade é importante para o desenvolvimento da região.
No segundo capítulo, Becker procura responder à problemática do livro: “Os núcleos
urbanos foram elementos intrínsecos ao processo de colonização na Amazônia. Por que não
promoveram o desenvolvimento da região?” (p. 17). A procura pela resposta passa por dois
pontos cruciais. Primeiro, pela fundamentação teórica de Jane Jacobs sobre a primazia das
cidades nas alterações socioeconômicas, perspectiva ampliada por Peter Taylor. O segundo
ponto, segue pela história da gênese das cidades amazônicas, desencadeadas pelas pesquisas
empíricas da autora.
Diante disso, Becker ratifica a teoria de Jane Jacobs a qual considera que as cidades
dinâmicas são o centro da expansão econômica. Contudo, na Amazônia “não tiveram o
dinamismo suficiente para promover o seu desenvolvimento” (p. 35). Portanto, os inúmeros
surtos econômicos verificados nos principais núcleos da região não originaram dinamismo
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urbano, uma vez que não conduziram à alteração de conteúdo, estrutura ou complexidade da
economia.
Os diversos surtos econômicos na Amazônia, desde os primórdios da colonização
europeia, sempre estiveram atrelados à exportação e não possibilitaram a substituição de
importações, tampouco modificaram a divisão de trabalho. Nesse sentido, as cidades
amazônicas exerceram um papel periférico na economia mundial. Além disso, esses surtos, por
serem dependentes das vicissitudes em escala global, rapidamente entraram em declínio e
restringiram as possibilidades de desenvolvimento em função da fragilidade do mercado interno
e ineficácia de políticas orientadas à distribuição das riquezas.
Nessa perspectiva, um dos pontos mais importantes abordados neste capítulo é o fato
dos centros hegemônicos do capitalismo, tanto comercial quanto político, historicamente
coordenaram a dinâmica urbana amazônica. O controle de Lisboa, Londres, Nova Iorque e São
Paulo inibiu a criação de trabalho novo, mesmo perante à expansão da “fronteira urbanizada”.
No terceiro capítulo, denominado “A Urbe Amazônida Hoje: Cidades Locais”, Becker,
ancorada na densa e importante obra do ex-professor da Universidade Federal do Amazonas
(UFAM), José Ademir de Oliveira, destaca que nas cidades ribeirinhas existe uma baixa
articulação das cidades com o entorno e predomínio de atividades tradicionalmente
caracterizadas como rurais, nas quais “a cultura e o saber indígena e caboclo permaneceram em
grande parte, dissociados dos grandes movimentos de transformação” (p. 47). Apesar disso,
Becker demonstra que podemos encontrar alguns exemplos do uso da mão-de-obra familiar e
dos sistemas agroflorestais não madeireiros que possibilitam o crescimento sustentável de
núcleos urbanos.
No quarto capítulo, chamado “Que Urbanização para um Novo Projeto Regional”, a
autora busca resumir as observações científicas e sugere alternativas que reforçam o papel da
urbanização como núcleo do desenvolvimento regional. Segundo ela, um dos principais
desafios do século XXI consiste na conciliação entre crescimento econômico e proteção
ambiental. Nesse sentido, a autora, crítica contumaz das políticas meramente preservacionistas
que dissociam a floresta das novas possibilidades geradas pela ciência e tecnologia, indica
alguns “elementos estratégicos para dinamizar cidades da Amazônia criando trabalho novo” (p.
51) com base em quatro pontos: a inovação industrial, o aproveitamento do legado dos surtos
econômicos; a geopolítica do Estado e a indústria criativa cultural.
Assim, Becker finaliza o livro defendendo o papel do Estado no estabelecimento de
“zonas” aptas à geração e propagação da ciência, da tecnologia e da inovação, com base nas
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particularidades socioeconômicas para o uso sustentável do patrimônio natural e/ou pela
indústria criativa que exaltaria o patrimônio cultural dos povos amazônidas, postura distinta do
que documentadamente foi perfilhado à região.
Nesse entendimento, enquanto no período colonial a apropriação da região amazônica
pelos países do Velho Mundo cumpriu diversos objetivos e padrões diferenciados, nas últimas
décadas o Estado brasileiro propiciou o alargamento da fronteira agropecuária para atender à
lógica do capital em âmbito nacional e internacional. A propósito, tradicionalmente o Estado
brasileiro desenvolveu uma geopolítica de controle territorial responsável pela criação
estruturas que não favoreceram a redistribuição de renda e/ou beneficiaram a sociedade geral.
Na perspectiva da autora, o conjunto articulado de cidades não atuou de forma satisfatória para
possibilitar um fluxo comercial capaz de agregar valor aos produtos exportados pela região e
encadear as mudanças territoriais.
Portanto, o legado intelectual de Becker, resultado de quase cinco décadas de estudo,
revela que a Amazônia permaneceu à margem do Estado brasileiro, subordinada às demandas
externas e atrelada a efêmeros surtos econômicos sucedidos por extensos intervalos de
estagnação. Isto posto, é necessário implantar um novo padrão de desenvolvimento regional,
apto a desenvolver a região de maneira sustentável frente às demandas do século XXI.
REFERÊNCIAS
BECKER, B. K. A Urbe Amazônida: a floresta e a cidade. Rio de Janeiro: Garamond
Universitária, 2013. 88 p.
Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.
Formatação e normalização.