Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023002, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8860 1
REFLEXÕES SOBRE A VULNERABILIDADE SOCIOESPACIAL E A CRISE
PANDÊMICA NO BRASIL
REFLEXIONES SOBRE LA VULNARABILIDAD SOCIOESPACIAL Y LA CRISIS DE
LA PANDEMIA EN BRASIL
REFLECTIONS ON SOCIO-SPATIAL VULNERABILITY AND THE PANDEMIC
CRISIS IN BRAZIL
Felipe Alan Souza SANTOS1
e-mail: felipesantosprof@hotmail.com
Jovenildo Cardoso RODRIGUES2
e-mail: jovengeo@yahoo.com.br
Como referenciar este artigo:
SANTOS, Felipe Alan Souza; RODRIGUES, Jovenildo
Cardoso. Reflexões sobre a vulnerabilidade socioespacial e
a crise pandêmica no Brasil. Revista Geografia em Atos,
Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023002. e-ISSN: 1984-
1647. DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8860
| Submetido em: 27/07/2021
| Revisões requeridas em: 14/04/2022
| Aprovado em: 30/06/2023
| Publicado em: 14/08/2023
Editoras:
Eda Maria Góes
Karina Malachias Domingos dos Santos
Roberta Oliveira da Fonseca
1
Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém PA Brasil. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em
Geografia (PPGEO). Participante do Laboratório de Estudo e Pesquisa sobre Habitação e Moradia (LAHAM).
2
Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém PA Brasil. Professor do Programa de Pós-Graduação em
Geografia (PPGEO). Líder do Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Habitação e Moradia (LAHAM).
Doutorado em Geografia (UNESP). Pós-doutorado (U.PORTO).
Reflexões sobre a vulnerabilidade socioespacial e a crise pandêmica no Brasil
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023002, 2023. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2023.8860 2
RESUMO: O primeiro caso de contágio da SARS-CoV-2 ocorreu na cidade de Wuhan, na China,
em 12 de novembro de 2019. Desde então, a sua disseminação pelo mundo ocorreu rapidamente,
agravada, inclusive, pelos fluxos de mercadorias e pessoas existentes na contemporaneidade. Além
disso, a transitoriedade da pandemia de Covid-19, que vem atingindo os diversos países do mundo,
é agravada, nitidamente, pelas desigualdades socioespaciais, que impactam e condensam as
vulnerabilidades sociais. O objetivo do presente artigo é discutir a vulnerabilidade socioespacial
brasileira na crise pandêmica. Metodologicamente, optou-se por uma revisão bibliográfica,
classificada como Revisão Integrativa da Literatura (RIL), possibilitando a identificação, a síntese
e a realização analítica da literatura de maneira ampla, sobre o tema. Concluiu-se, a partir dessa
revisão, que as desigualdades socioespaciais presentes no Brasil acabam esticando o precipício da
pobreza e da vulnerabilidade social, experimentada por parcela significativa da população. As
condições precárias dos lares, a falta de estrutura sanitária, atrelada ao baixo acesso à renda, refletem
uma maior incidência e letalidade da Covid-19 no país.
PALAVRAS-CHAVE: Vulnerabilidade. Crise sanitária. Covid-19.
RESUMEN: El primer caso de contagio del SARS-CoV-2 ocurrió en la ciudad de Wuhan, China,
el 12 de noviembre de 2019, desde entonces su propagación por todo el mundo se ha producido de
forma rápida, agravada incluso por los flujos de bienes y personas existentes en la época
contemporánea. La transitoriedad de la pandemia Covid-19 que ha estado afectando a diferentes
países del mundo se ve claramente agravada por las desigualdades socioespaciales que impactan
y agudizan las vulnerabilidades sociales. El objetivo de este artículo es discutir la vulnerabilidad
socioespacial brasileña en la crisis pandémica. Metodológicamente, se optó por una revisión de la
literatura clasificada como Revisión Integrativa de la Literatura (EIR), que permitió la
identificación, síntesis y realización analítica de la literatura sobre el tema de manera amplia. Por
lo tanto, se concluye que las desigualdades socioespaciales presentes en Brasil terminan por
aumenta el precipicio de la pobreza y la vulnerabilidad social que vive una parte importante de la
población. Las precarias condiciones de los hogares, la falta de estructura sanitaria ligada al bajo
acceso a ingresos, se reflejan en una mayor incidencia y letalidad de Covid-19 en el país.
PALABRAS CLAVE: Vulnerabilidad. Crisis sanitária. Covid-19.
ABSTRACT: The first case of SARS-CoV-2 occurred in Wuhan, China, on 12 November 2019.
Since then, its spread throughout the word ha sbeen aggravated in contemporary times by the flow
of goods and people. The transiente of the Covid-19 pandemic, which has affected different
countries, is clearly aggravated by socio-spatial inequalities that impact and condone social
vulnerabilities. This article aims to discuss the Brazilian socio-spatial vulnerability in the pandemic
crisis. Methodologically, we decided on literature review classified as Integrative Literature
Review (ILR), to identify synthesize and analyze the literature on the subject in a broad manner. It
is therefore concluded that the socio-spatial inequalities present in Brazil end up stretching the
precipice of poverty and of social vulnerability, experienced by a significant portion of the
population, in which the precarious housing conditions, the lack of sanitary structure, connected to
low income, reflects the higher incidence and Covid-19 lethality in the country.
KEYWORDS: Vulnerability. Health crisis. Covid-19.
Felipe Alan Souza SANTOS e Jovenildo Cardoso RODRIGUES
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023002, 2023. e-ISSN: 1984-1647
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Introdução
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020) revela que cerca de 2,2
milhões de domicílios brasileiros estão em condições irregulares, o que acaba possibilitando
risco e contribui para a vulnerabilidade socioespacial. O estudo sobre a vulnerabilidade vem
crescendo. Parte desse estudo se destaca no cenário nacional e internacional, sendo fruto do
aprofundamento científico que busca incorporar ao entendimento e à discussão um olhar mais
crítico, interativo e interdisciplinar sobre insegurança e exposição a riscos e perturbações,
promovidas por eventos de caráter natural ou por mudança econômica. Desse modo, tornou-se
pertinente compreender de que maneira a crise pandêmica da SARS-CoV-2 aprofundou a
vulnerabilidade social de parcela expressiva da população brasileira. Assim, o objetivo do
presente artigo é discutir a vulnerabilidade socioespacial brasileira na crise pandêmica.
Metodologicamente, ocorreu um levantamento bibliográfico em artigos publicados em
variados periódicos nacionais, com qualis conceituados pela Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES), usando, como palavras-chave: “vulnerabilidade”,
“desigualdade”, “Covid-19”. Os resultados encontrados foram categorizados e classificados
segundo a aproximação com o tema proposto nesta pesquisa. Todos os artigos lidos tiveram
uma abrangência de 10 anos e os direcionados para o entendimento da Covid-19 foram
publicados no ano de 2020.
O presente artigo é composto por três partes, a primeira abordada a questão
metodológica da pesquisa e a sua adaptação a metodologia de Revisão Integrativa da Literatura
(RIL), a segunda permite o aprofundamento teórico do objetivo do artigo, articulando conceitos
de urbanização e o percentual de vulnerabilidade social brasileira e a ampliação dos desafios de
enfrentamento da crise pandêmica. E a última aborda as considerações sobre o material
produzido e a visão do autor sobre os reflexos da pandemia no processo de vulnerabilidade
socioespacial brasileira.
Conclui-se que são vastos os obstáculos a serem percorridos pelo Brasil, no
enfrentamento da vulnerabilidade socioespacial. Nota-se, nas áreas periféricas, um
adensamento abastado de carência de infraestrutura e de renda, o que vem contribuindo para o
número de casos de pessoas infectadas com a Covid-19 no país.
Reflexões sobre a vulnerabilidade socioespacial e a crise pandêmica no Brasil
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Metodologia
A presente pesquisa se enquadra na metodologia de Revisão Integrativa da Literatura
(RIL), adaptada por Silveira (2005) e Galvão et al. (2004), que visa direcionar o debate crítico
e aprofundado sobre um determinado tema ou conteúdo. Possibilita a identificação, a síntese e
a realização analítica da literatura. Dentro dessa postura metodológica foram percorridas
algumas etapas, a saber: delineamento do tema em estudo, levantamento das publicações
científicas sobre o tema estudado, relevância dos artigos classificados no estudo, análise das
informações e coletas seletivas de informações dos artigos pesquisados, debate do estudo da
arte sobre as discussões pertinentes ao tema de pesquisa e inserção de análise crítica no debate,
na produção textual e nos resultados da pesquisa.
Iniciou-se pelo levantamento de artigos com tema próximo ao da pesquisa, o material
foi coletado em revista científicas com classificação de qualis B e A, assim como, em
plataforma de armazenamento de dados de centros de pesquisas e universidades.
Posteriormente, os artigos com maior relevância para o tema da presente pesquisa foram
selecionados, lidos e categorizados.
Segue abaixo um fluxograma sobre as etapas metodológicas de execução da pesquisa:
Figura 1 Fluxograma das etapas metodológicas da pesquisa
Delimitação do tema
Levantamento de
publicações
Classificação e
relevância
Análise de
informações
Análise crítica
Buscar a compreensão sobre a vulnerabilidade e as
transformações socioespaciais brasileiras, para a elaboração da
revisão integrativa.
Leitura do resumo e identificação da discussão próxima ao tema
da pesquisa, almejando estabelecer critérios para inclusão e
exclusão de literatura.
Categorização de informações dos artigos lidos, composição de
fichamentos e resenhas.
Interpretação dos conhecimentos adquiridos com as leituras e
sua interpelação com a proposta de discussão do tema. Produção
da discussão teórica do texto do presente artigo.
Levantamento de pontos essenciais da discussão, construídos a
partir do estudo da arte realizado nas etapas anteriores.
Pesquisa em plataformas científicas sobre o tema a ser estudado,
com as seguintes palavras: “vulnerabilidade, “desigualdade” e
Covid-19.
Fonte: Elabora pelos autores
Felipe Alan Souza SANTOS e Jovenildo Cardoso RODRIGUES
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Reflexos Pandêmicos no Brasil: Crise e vulnerabilidade Social
No contexto do desenrolar da pandemia de Covid-19, que atinge diversos
países do mundo, alguns aspectos das desigualdades socioespaciais se
intensificam, resultando na emergência de questões que assolam os novos
tempos e no agravamento de diversas vulnerabilidades sociais
(BERNARDES, 2020, p. 01).
Historicamente, a humanidade vivenciou diferentes endemias e pandemias, que
significativamente incidiram de modo mais severo na classe mais pobre. Desde a peste
bubônica, no século XIV, à Covid-19, na contemporaneidade, os grupos sociais marginalizados
têm experimentado os piores reflexos e a onipotência do Estado sobre o enfrentamento da
pandemia, fato que se justifica pelas más condições de vida dessa população, que se apresenta
como grupo de risco, com farta escassez de acesso a equipamentos de saúde, renda e educação
e, portanto, em vulnerabilidade social (HARVEY, 2020; ALMEIDA, 2011).
O termo vulnerabilidade origina-se do verbo latim “Vulnerare”, que é entendido como
ação de ferir, penetrar. Etimologicamente, entendemos o seu significado como a predisposição
a desordens ou a susceptibilidade a algum estresse. Portanto, a vulnerabilidade refere-se a
suscetibilidades dos indivíduos ou de um determinado grupo de sofrerem ou não, conseguirem
responder às consequências negativas sofridas durante um determinado evento. Para Janczura
(2012, p. 302), “a vulnerabilidade opera apenas quando o risco está presente, sem risco,
vulnerabilidade não tem efeito”.
A vulnerabilidade perpassa a deterioração da vida, devido ao estresse ou risco ambiental
e pela ausência de suporte social, experimentado, de forma individual ou coletiva, por um
determinado grupo. Dessa maneira, a predisposição a sofrerem mais agressivamente com os
impactos oriundos do risco, como, por exemplo, a crise pandêmica global, deliberou a
identificação da vulnerabilidade de grande parcela da sociedade planetária.
No mundo, o primeiro caso de contágio da SARS-CoV-2, popularmente chamada de
coronavírus, ocorreu na cidade de Wuhan, na China, em 12 de novembro de 2019. Desde então,
a sua disseminação pelo mundo ocorreu rapidamente, promovida, inclusive, pelos fluxos de
mercadorias e pessoas na era da globalização. Para Davis (2020), a Covid-19 apresenta
características globais. Em um cenário no qual os movimentos de produtos, serviços e pessoas
são cada vez mais rápidos, também a proliferação de doenças e, assim, chegamos à estatística
de que quase todos os países do mundo, em março de 2020, possuíam casos de pessoas
infectadas com a Covid-19 (OMS, 2021). Rodrigues (2020) comenta que o primeiro caso no
Brasil foi registrado em 26 de fevereiro de 2020 e tomou proporções alarmantes. Em 12 de
Reflexões sobre a vulnerabilidade socioespacial e a crise pandêmica no Brasil
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janeiro de 2023, o quantitativo chegou a 695,088 mil mortos pela doença no país (BRASIL,
2023).
A classificação de uma situação pandêmica em escala mundial foi deflagrada pela
Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020), no dia 11 de março de 2020. O governo brasileiro
determinou estado de calamidade pública devido a Covid-19 no dia 20 do mesmo mês, a partir
do decreto legislativo do Senado Federal Brasileiro (BRASIL, 2020), três dias após o registro
do primeiro óbito ocorrido no país.
A transitoriedade da pandemia de Covid-19, que atingiu diversos países do mundo, foi
e é agravada, nitidamente, pelas desigualdades socioespaciais, que impactam e condensam as
vulnerabilidades sociais. Logo, é profícuo expor, neste momento, uma valiosa crítica de Martins
(2020, online). Ele afirma que “a pandemia é imprevisível. Economia que subestima as
carências da sociedade, não”. Assim, torna-se necessário uma articulação econômica sólida,
que ao experimentar um período de turbulência e de pandemia como foi a da Covid-19, o
sistema econômico responda efetivamente. As desigualdades e a exclusão social, resultantes da
política econômica e social trilhadas pelo Brasil contribuíram para o aumento da
vulnerabilidade, repercutindo condições significativas para a incidência letal da Covid-19.
A epidemia não se encaixa no modelo econômico adotado no mundo sob
influência do neoliberalismo. Nem no presente nem no futuro. Antes
do vírus começar a matar, as carências e imprevidências desse modelo
haviam começado a preparar-lhe o caminho (MARTINS, 2020, online).
A OMS revela que a qualidade de vida do indivíduo ou de um grupo está diretamente
relacionada ao acesso à renda. O desigual acesso à renda gera o que o organismo chama de
“Iniquidade em Saúde”, estando está diretamente ligada aos determinantes sociais da saúde
(ALVES, 2006). Silva (2020, p. 01) expõe que o termo é utilizado para resumir as forças sociais,
políticas, econômicas, ambientais e culturais mais amplas que influenciam as condições de vida
das pessoas.
O desmantelo de acesso à saúde não pode ser enfrentado sem combater as desigualdades
socioespaciais. Desse modo, corroborando com Santos (2020), é necessária a busca por uma
equidade e justiça social, que devem emergir com uma governança que se apresente intersetorial
e multiescalar, que inclua, em seus princípios, além da dimensão econômica, a dimensão social
e ambiental.
No Brasil, a situação caótica, em parte, pode ser explicada pelo caráter subjetivo das
desigualdades sociais e espaciais, pois, se no território se percebia a vulnerabilidade social
Felipe Alan Souza SANTOS e Jovenildo Cardoso RODRIGUES
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dos grupos mais carentes, a crise sanitária da SARS-CoV-2 ampliou ainda mais o abismo da
extrema pobreza. Isso porque a fome, o aluguel, as contas a serem pagas no final do mês
parecem não perceber o desenrolar perverso da pandemia nas condições de vida e saúde nos
grupos mais pobres.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), após uma varredura nos decretos estaduais da
cidade do Rio de Janeiro, depois do primeiro mês pandêmico, enfatizou que a combinação entre
a crise econômica, política, sanitária e a vulnerabilidade social fez florescer incertezas, cujas
mitigações são desconhecidas e escancaram a fragilidade econômica e social do país (LEIVA,
2021).
Santos (2020), em sua pesquisa sobre a grave vulnerabilidade e a questão da Covid-19,
evidenciou as áreas de maior vulnerabilidade e os casos mais graves da doença, na cidade do
Rio de Janeiro, caracterizada socioespacialmente como intensamente heterogênea e complexa.
Os resultados dessa pesquisa demonstraram que as áreas fortemente impactadas com a
proliferação e susceptíveis aos agravos são aquelas que apresentavam maior vulnerabilidade,
como as regiões Norte e Oeste na capital carioca, porém também foi observado que, em áreas
nobres que apresentam comunidades carentes, a frequência de contágio pelo vírus também foi
exorbitante. O autor expõe que os “estudos apontam para o acometimento de grupos
populacionais desproporcionalmente expostos ao risco de adoecimento por doenças
respiratórias, em função de suas condições de vida e situação de saúde”. (SANTOS, 2020, p.
02).
O Brasil apresentou dificuldades em controlar a disseminação da SARS-CoV-2. Uma
constatação teórica para essa afirmação pode partir dos referenciais teóricos discutidos na
presente pesquisa, pois o Brasil, sob o governo de Jair Bolsonaro experimentou uma posição
negacionista em relação a gravidade da pandemia e, até certo ponto, caminhou contrariamente
às estratégias de enfrentamento da pandemia de Covid-19 adotadas por outras nações. Tais
estratégias internacionais incluem a consolidação de estrutura de governança e coordenação
nacional, a adoção de medidas para conter o contágio (lavar as mãos, usar máscaras), o
fortalecimento do sistema de saúde, a promoção de políticas de proteção social e produtiva e a
última, porém não menos importante, a consolidação de um canal direto com a sociedade, com
o objetivo de garantir transparência em relação às decisões e à promoção da saúde, a partir da
educação, prevenção e governança (SILVA, 2020, online).
O negacionismo e as políticas às avessas contribuíram exponencialmente para a crise
sanitária brasileira. A dúbia adesão entre as medidas adotadas para o enfrentamento da
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pandemia e a realidade vivenciada pela sociedade brasileira no campo político, cultural,
econômico e social direcionam para um crescente aumento de incidência e das taxas de
mortalidade.
Uma pandemia envolve importantes condicionantes de ordem
epidemiológica, como as causas das epidemias, sua natureza, seus sintomas e
formas de propagação, sua frequência, sua incidência e taxas de mortalidade,
seu desenvolvimento e meios de tratamento e prevenção (SILVA, 2020,
online).
Corroborando com Silva (2020), Bernardes (2020) e Martins (2020), é importante
entender que os fatores de ordem social, econômica e política que incidem sobre a promoção
da saúde da população encontram-se condicionados à pobreza e à vulnerabilidade social
vivenciadas pela sociedade. Nesse sentido, a consolidação do mundo globalizado e a emergente
troca dos mais variados lugares dos seus recursos naturais, econômicos e sociais escancaram a
possibilidades de ampliação das distorções e desigualdades (HARVEY, 2020; BERNARDES,
2020).
As distorções ao enfrentamento da pandemia pelo governo federal brasileiro
desarmonizaram as condutas dos governadores e prefeitos das unidades federativas do Brasil,
resultando, em alguns lugares, em maior rigidez frente às medidas adotadas para o
enfrentamento da pandemia, como fechamento do comércio, barreiras sanitárias nas fronteiras
e acompanhamento dos seus dados pandêmicos. Em outros, apesar da crise, observou-se uma
maior flexibilização das medidas e um descrédito inclusive das diretrizes científicas fornecidas
pela Organização Mundial da Saúde ou das instituições sanitárias nacionais, como a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O descompasso de gestão aprofundou ainda mais o abismo experimentado pela classe
mais pobre e atestou, portanto, no cenário do país, suas desigualdades sociais ao massificar as
precárias condições de vida e a baixa renda de um percentual expressivo da população, tornando
inexequível, inclusive, a mínima profilaxia de prevenção à Covid-19, como o uso de máscara e
a lavagem das mãos com sabão e água.
É notório perceber que a população mundial vivenciou uma crise aguda durante o
período mais crítico da pandemia, visto que não havia um modelo único de combate à Covid-
19 praticado pelos vários países, de maneira integral e homogeneizada. A Covid-19 também
atingiu as classes econômicas mais altas no Brasil. Turistas brasileiros que visitaram a Europa,
ao retornarem para suas cidades de origem, acabaram disseminando o vírus nas cidades do Rio
de Janeiro/RJ e São Paulo/SP, na região Sudeste, e no Nordeste, na cidade de Fortaleza/CE
Felipe Alan Souza SANTOS e Jovenildo Cardoso RODRIGUES
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(VÉRAS, 2010; MARTINS, 2021). Porém, como algo lampeiro, atingiu exponencialmente as
camadas e áreas mais pobres, tendo, nas periferias das grandes cidades, um campo fértil e
disseminador do vírus, devido à incipiente oferta de infraestrutura sanitária e econômica e às
precárias condições de moradias. Isso porque famílias numerosas que dividem um único
cômodo, sendo que parcela delas não possuem nenhum banheiro, o que interfere negativamente
na prática de profilaxia de combate e defesa da saúde frente à pandemia da SARS-CoV-2
(SANTOS, 2020; SILVA, 2021).
Os grupos em vulnerabilidade social são aqueles que apresentam uma renda baixa e
gozam de uma alta privação, e, por tal constatação, acabam ocupando áreas insalubres nas
cidades, como as áreas de riscos ou de degradação ambiental, com desacertos de infraestrutura
sanitária e de transporte. Com isso, ocorre também a ocupação irregular de encostas, área
propícia a alagamento e desmoronamento de terras (VÉRAS, 2020). Corroborando com essas
questões, “estima-se que 20% da população mundial não tem acesso a água potável e 50% não
dispõe de saneamento adequado” (IHDP, 2001).
As cidades brasileiras sofreram um processo de urbanização muito rápido, assim como
também foram abruptos a intensa degradação ambiental e os problemas socioespaciais.
Consequentemente, tem-se uma desigualdade de acesso à renda, ao emprego, aos terrenos
urbanos privilegiados, que necessitam da aquisição do capital (GALVÃO, 2044; DAVIS,
2020).
Como expõe a professora Véras (2010, p. 35): A cidade capitalista é moldada pelo
interesse do capital, utilizando o solo urbano como o empresário empregou a máquina, a serviço
da acumulação”. O êxodo rural crescente e a falta de oportunidade acabaram resultando no
adensamento populacional em áreas irregulares. Logo, houve a proliferação de bairros
periféricos, cujo dinamismo de crescimento não foi acompanhado com políticas públicas para
melhorar as infraestruturas necessárias nesses locais. A população dessas áreas residentes
passou a conviver com diferentes impactos e exclusões, o que levou a mesma a desfrutar de
condições de vulnerabilidade.
O padrão segregador da urbanização brasileira; o crescimento nas periferias
metropolitanas é muito maior que os núcleos, revelando a impossibilidade da
maior parte da população ter acesso às áreas equipadas, agravando as
condições de vida (GRAZIA; QUEIROZ, 2001, p. 24).
O exposto anteriormente passa a representar uma importante análise porque revela como
a questão socioespacial brasileira está associada à velocidade de contaminação da Covid-19,
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principalmente levando-se em conta a demora em admitir e implementar medidas que
almejassem diminuir a disseminação da doença. Pontualmente, dois fatores serão discutidos
quanto à elevada incidência da doença na periferia: o primeiro refere-se ao efêmero papel
contraditório dos transportes públicos e a disseminação da doença e o segundo envolve a
estrutura dos lares nas áreas pobres brasileiras.
Proliferação de doenças nas periferias do Brasil: breve debate sobre a Covid-19
Leiva (2020), discute a relação socioespacial antagônica existente no Brasil, onde as
pessoas com maior poder aquisitivo e que residem em lares salubres e próximos ao seu local de
trabalho usam transporte individual. Criticam a falta de estrutura dos meios de transportes
coletivos urbanos no que se refere à quantidade de pessoas que transportam e à frequência de
violência e precarização. Expõem que o processo de interiorização da Covid-19 para as
diferentes áreas metropolitanas mais longínquas das cidades pode ter sido resultante da
insalubridade da frenética utilização de transporte público em tempos de pandemia. Portanto,
chamam a atenção para o fato de que o uso do transporte público coletivo, sem o devido
exercício dos protocolos de segurança sanitária, contribui para a proliferação da Covid-19. Os
autores expõem um estudo realizado por Harris (2020), que constatou que o metrô de Nova
Iorque foi o principal disseminador da doença na cidade.
Outro ponto profícuo para a discussão é entender as questões sanitárias de parcelas
significativas dos lares das periferias brasileiras. Apresentam-se com deficiência de oferta de
rede de esgoto e água tratada, além de apresentarem pouca ou nenhuma salubridade. Como são
construções impróprias e, em muitos dos casos, com o crescimento da família, erguem-se novos
sobrados em um pequeno terreno, inexiste a aplicabilidade de conhecimentos de engenharia e
arquitetura que prezam pela eficiente fundação e salubridade das casas (JANCZURA, 2021;
SILVA, 2021).
A prática de construir sem uma fiscalização ou procedimentos técnicos adequados
acabam fazendo com que essas residências se tornem ambientes propícios para a propagação
de diferentes tipos de doenças, principalmente respiratórias, e, no caso da Covid-19, esse
fenômeno é ainda mais potencializado, uma vez que, segundo o IBGE (2020), muitas
residências são ocupadas por um número maior de pessoas se comparado ao suporte sanitário
que as mesmas poderiam receber.
Felipe Alan Souza SANTOS e Jovenildo Cardoso RODRIGUES
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Essas pessoas acabam ocupando, em muitos casos, subempregos ou trabalham na
informalidade. Não tiveram o direito de manter-se em quarentena, pois precisaram sair de suas
casas para trabalhar e garantir o seu sustento e de suas famílias. Com isso, tornaram-se ainda
mais susceptíveis à disseminação da Covid-19 (GARCIA, 2001, SILVEIRA, 2005).
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (2020) expõe, no seu Plano Nacional de
Enfrentamento à Pandemia da Covid-19, que alguns grupos sofreram com o maior índice de
letalidade da doença, como os grupos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e mulheres, atestando
o que até o momento foi exposto. Silva corrobora afirmando que as mulheres, maioria nos
serviços de enfermagem, no cuidado de idosos e na atenção aos doentes no âmbito doméstico,
também têm sido mais afetadas pela pandemia”. (2020, p. 3).
Um entendimento é imprescindível: a crise pandêmica não é democrática e vem
varrendo, com dor e sofrimento, os lares dos brasileiros, asseverando o contágio nas mais
diversas áreas do território do Brasil e, principalmente, nas áreas periféricas. Assim, o
negados aos seus ocupantes o direito e a oportunidade de lutarem pela manutenção de suas
próprias vidas.
Conclusões
Os resultados deste trabalho demonstraram que a desigualdade e a vulnerabilidade social
nas cidades brasileiras acabaram ampliando a incidência da Covid-19 nas áreas periféricas.
Outro fator incisivo no debate do artigo foi a ineficiência e a postura negacionista adotada pelo
ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro, que o promoveu políticas públicas
básicas para o enfrentamento da pandemia nas esferas sanitária e educacional. Essa posição
promoveu o descrédito do conhecimento científico por parte da sociedade, incidindo sobre o
uso de equipamentos de prevenção ao vírus.
Este artigo ressaltou a necessidade de utilização de medidas sanitárias no combate à
Covid-19 e discutiu como a população da periferia enfrentou de maneira desigual a crise
pandêmica. Isso porque essa população ocupa em muitos dos casos áreas com deficiente
infraestrutura sanitária, além de possuir renda baixa e residir em construções inadequadas para
o bem-estar. Por causa dessa condição, agravada inclusive com a ameaça do aumento do
desemprego, foi negada a essas pessoas a possibilidade de fazerem quarentena, de modo que
mitigassem o risco do contágio.
Reflexões sobre a vulnerabilidade socioespacial e a crise pandêmica no Brasil
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 7, n. 1, e023002, 2023. e-ISSN: 1984-1647
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