Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 08, n. 01, e024013, 2024. e-ISSN: 1984-1647
DOI: https://doi.org/10.35416/2024.10334 1
MULHERES E MOBILIDADE URBANA: UMA REVISÃO DA LITERATURA
SOBRE O TEMA
MUJERES Y MOVILIDAD URBANA: UNA REVISIÓN DE LA LITERATURA SOBRE
EL TEMA
WOMEN AND URBAN MOBILITY: A LITERATURE REVIEW ON THE TOPIC
Gabriela Corrêa RODRÍGUEZ1
e-mail: gabrielarodriguez.geo@gmail.com
César Augusto Ferrari MARTINEZ2
e-mail: cesarfmartinez@yahoo.com.br
Como referenciar este artigo:
RODRIGUEZ, G. C.; MARTINEZ, C. A. F. Mulheres e
Mobilidade Urbana: uma revisão da literatura sobre o tema.
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 08, n.
01, e024013, 2024. e-ISSN: 1984-1647. DOI:
https://doi.org/10.35416/2024.10334
| Submetido em: 04/03/2024
| Revisões requeridas em: 25/10/2024
| Aprovado em: 13/11/2024
| Publicado em: 10/12/2024
Editoras:
Eda Maria Góes
Karina Malachias Domingos dos Santos
Rizia Mendes Mares
1
Bacharela em Geografia (UFPel), Mestranda em Planejamento Urbano para Transição (IUAV-Veneza).
2
Professor no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pelotas. Licenciado e Mestre
em Geografia (UFRGS), Mestre e Doutor em Educação (PUC-Chile).
Mulheres e Mobilidade Urbana: uma revisão da literatura sobre o tema
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 08, n. 01, e024013, 2024. e-ISSN: 1984-1647
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RESUMO: O estudo do planejamento urbano, a partir da perspectiva de gênero, contribui à
busca de soluções que contemplem cidades mais inclusivas para mulheres. Assim, este trabalho
analisa as experiências urbanas e a participação política das mulheres, abrangendo teorias como
a feminista de gênero, o direito à cidade e a divisão sexual do trabalho. Essa pesquisa tem como
objetivo, por meio de uma revisão de literatura em bases de dados, identificar e compilar
soluções de mobilidade urbana que conversem com essas concepções. Para isso, utiliza-se uma
revisão sistemática de busca retroativa e uma codificação a partir das variáveis “problemas” e
“soluções” definidos pelos artigos. As análises apontam que medidas que promovem ações
concretas às mulheres, denominadas de efeito prático”, e aquelas que visam garantir um maior
protagonismo feminino no processo decisório do planejamento urbano, denominadas de “efeito
político”.
PALAVRAS-CHAVE: Mobilidade urbana. Soluções urbanas. Perspectiva feminista de
gênero. Direito à cidade.
RESUMEN: Los estudios de planificación urbana tras la perspectiva de nero contribuyen a
la búsqueda de soluciones que contemplen ciudades más incluyentes para las mujeres. Así, este
trabajo analiza las experiencias urbanas y participación política de las mujeres, abarcando
teorías como la feminista de género, el derecho a la ciudad y la división sexual del trabajo.
Esta investigación tiene por objetivo, por medio de una revisión de literatura en bases de datos,
identificar y recopilar soluciones de movilidad urbana que conversen con esas concepciones.
Para ello, se utiliza de una revisión sistemática retroactiva y una codificación que parte de las
variables “problemas” y “soluciones” definidos por los artículos en análisis. Los análisis
apuntan a que haya tanto medidas que promueven acciones concretas a las mujeres, dichas de
efecto práctico, como aquellas que visan garantizar un mayor protagonismo femenino en el
proceso decisorio de la planificación urbana, dichas de “efecto político”.
PALABRAS CLAVE: Movilidad urbana. Soluciones urbanas. Perspectiva Feminista de
género. Derecho a la ciudad.
ABSTRACT: The study of urban planning from a gender perspective contributes to the search
for solutions that contemplate more inclusive cities for women. Thus, this research analyzes
urban experiences and political participation, covering theories such as the feminist of gender,
the right to the city and the sexual division of labor. This research aims to identify and compile,
through a literature review based on searches in online databases, urban mobility solutions
that address these concepts. For this, it uses a backward search literature review and a coding
process based on the variables “problem” and solution” defined by the papers. The analyses
point out measures that promote concrete actions to women, defined as “practical effects”; as
well as those that aim to guarantee a greater female protagonism in the decision-making
process of urban planning, defined as “political effects”.
KEYWORDS: Urban mobility. Urban solutions. Feminist gender perspective. Right to the city.
Gabriela Corrêa RODRÍGUEZ e César Augusto Ferrari MARTINEZ
Revista Geografia em Atos, Presidente Prudente, v. 08, n. 01, e024013, 2024. e-ISSN: 1984-1647
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Introdução
Mulheres realizam mais caminhos a e apresentam maior uso de transporte público
que homens (FORAN, 2013); ao moverem-se, o fazem em trajetos de maior complexidade e
com maior circuito de paradas (CIOCOLLETO, 2014); ao transitar pela cidade, sentem-se mais
inseguras (OECD, 2020). O que influencia a que o gênero paute padrões de mobilidade tão
diversos? Qual o papel do gênero nas políticas públicas de planejamento urbano? Por que é
importante pensar em políticas feitas por e para mulheres? Como essas políticas podem tornar
as cidades mais habitáveis? Mobilizados por essas perguntas, nos propusemos a realizar uma
revisão da literatura científica sobre políticas de mobilidade que visam produzir cidades mais
habitáveis para mulheres.
Entende-se que pensar a mobilidade urbana a partir da perspectiva de gênero remete não
somente aos transportes, mas também a diversas dimensões da vida urbana e aos espaços de
relação em que ela acontece. Dito isso, dentro dessa problemática se englobam as dificuldades
no acesso às oportunidades laborais, aos equipamentos públicos, a demanda por segurança,
entre outros (SARMENTO, 2018). Para essa quebra, faz-se necessária a ascensão das mulheres
nos espaços de planejamento das cidades, gerando soluções urbanísticas focadas nessa
população, ou seja, realizando um planejamento urbano a partir da perspectiva de gênero e
libertando-se do padrão de cidade predominantemente masculina e excludente. Esse trabalho
parte da noção de que vigora uma perspectiva histórica que prioriza o trabalho produtivo
remunerado (historicamente designado aos homens) em detrimento do trabalho doméstico,
reprodutivo, do cuidado (historicamente atribuído às mulheres). Essa divisão onera, inviabiliza
e desvaloriza o papel das mulheres na sociedade, bem como eleva e enaltece o trabalho
estereotipicamente masculino (ALVES, 2013).
A forma como se planeja a cidade influencia em como se dará o uso dos espaços e
determina os padrões de utilização dos mesmos (FERREIRA, 2019). Pesquisadoras têm
centrado discussões acerca da participação da mulher no planejamento urbano, evidenciando
problemas enfrentados nos cotidianos de mobilidade das mesmas e, em muitos trabalhos,
propõem soluções e iniciativas para lidar com tal realidade. Nesse viés, essa revisão tem por
objetivo identificar essas soluções, contribuindo com uma perspectiva feminista de gênero que
visa desenvolver um planejamento por e para mulheres, com enfoque na mobilidade urbana.
Para isso, identificamos nos artigos científicos sobre o tema os principais problemas
enfrentados pelas mulheres na mobilidade pelos espaços urbanos; buscamos entender que
efeitos tem o gênero sobre as políticas de mobilidade urbana; e visamos elencar possíveis
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soluções urbanísticas a partir de uma perspectiva feminista de planejamento urbano das cidades.
Esse texto está organizado em cinco partes, sendo elas: (2) a descrição dos procedimentos
metodológicos utilizados na revisão de literatura; (3) uma análise da importância do gênero nos
estudos urbanos; (4) os principais problemas vividos pelas mulheres e descritos pela literatura
científica; (5) as soluções estudadas pelas pesquisas analisadas; (6) nossas reflexões e
conclusões sobre a temática.
Metodologia
Nesse estudo, realizamos uma pesquisa qualitativa de caráter descritivo e realizada a
partir de uma revisão de literatura que tem o intuito de produzir uma recopilação de ações que
promovam cidades mais habitáveis para as mulheres a partir de uma aplicação transversal da
perspectiva de gênero nas análises urbanas. Para isso, reunimos uma bibliografia que abordasse
os problemas vividos por mulheres nas cidades e que descrevessem iniciativas e possibilidades
a fim de resolver essa problemática.
As plataformas utilizadas para a busca das fontes foram: Scientific Electronic Library
(Scielo), Google Acadêmico, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
Também foi realizada uma revisão retroativa, ou seja, o procedimento de utilizar as próprias
referências dos textos para buscar novas referências. É importante salientar que a intenção do
trabalho não é esgotar o tema (XIAO; WATSON, 2019). Sendo assim, as buscas se iniciaram
a partir de dois eixos temáticos interseccionados: o primeiro, introduzindo palavras que
remetem às questões de mobilidade urbana e como planejar as cidades; e o segundo, em que se
agrega a perspectiva de gênero. Nesse sentido, foram utilizados os termos (I) “planejamento
urbano”, “soluções urbanas” e “mobilidade urbana” em combinação com as palavras (II)
“gênero”, “mulheres” e “cidades”.
A seleção e filtragem dos artigos foram desenvolvidas em três etapas. Em um primeiro
momento, foram selecionados os trabalhos pertinentes com a temática por análise do título,
sendo descartados artigos que não correspondessem ao objeto do trabalho. Em seguida, foi feita
uma breve leitura do conteúdo, selecionando as publicações que apresentassem discussões que
atendessem a critérios mais específicos como: aplicação da perspectiva de gênero, abordagem
sobre desenvolvimento de políticas urbanas, discussão sobre problemas enfrentados pelas
mulheres nas cidades e/ou possíveis soluções, apresentação de lógicas de mobilidade urbana.
Finalmente, foi realizada uma leitura preliminar do trabalho completo com o objetivo de
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identificar se respondia à questão de estudo. Deu-se preferência a textos de autoria feminina,
na intenção de dar voz a quem tem propriedade na narrativa e vivência do tema, exceto os
materiais publicados por instituições públicas. Também se observou em uma breve análise da
quantificação das buscas a escassez de artigos envolvendo o tema, o que levou a optar-se por
não aplicar um recorte temporal. Os idiomas utilizados foram os de nosso domínio: português,
espanhol e inglês.
Os trabalhos de codificação e análise foram organizados a partir de uma tabela a fim de
sintetizar as informações encontradas nos trabalhos, a qual foi dividida em duas categorias: uma
que leva em conta a identificação de problemas vividos por mulheres nas cidades; e outra com
as respectivas soluções discutidas e apresentadas pelas autoras. A amostra é composta de 10
publicações de diferentes países, tais como Israel, Inglaterra, Áustria, Estados Unidos, Brasil,
Espanha; nos formatos de artigos científicos publicados em revistas, informes urbanos de
município, trabalhos publicados em anais de eventos e um documento de programa da
Organização das Nações Unidas (ONU).
Mulheres e espaço urbano
Nesta seção, discorremos sobre como a produção do espaço pensado por e para as mulheres
contribuem para a conquista da emancipação política das mesmas; de que forma o planejamento
urbano serve como ferramenta para a criação de políticas públicas que aderem a perspectiva de
gênero na produção dos espaços urbanos; e como experiências de iniciativas populares
desvinculadas do Estado promovem políticas de reparação e/ou mudanças na estrutura padrão
de gestão e comportamentos.
O uso das cidades pelas mulheres
O uso das cidades pelas mulheres é diferente do uso pelos homens. De acordo com os
padrões da sociedade, as mulheres possuem a responsabilidade do trabalho reprodutivo não
remunerado em suas famílias. Mulheres ajudavam nos partos, tratavam dos doentes, se
encarregavam de cuidar das crianças e tomavam conta dos mortos, mas com o capitalismo
industrial promoveu-se hierarquias de nero, raça e classe com a configuração do homem
provedor e mulher cuidadora. (FEDERICI, 2012 citada por BORIS, 2014).
O trabalho reprodutivo consiste das atividades que produzem a força de
trabalho atividades que transformam matérias-primas e mercadorias
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compradas com um salário, para manter, cotidianamente, o(a) trabalhador(a)
e gerar a futura força de trabalho, por meio da nutrição, da vestimenta, do
cuidado, da educação e da socialização das crianças (BORIS, 2014, p. 103).
Além dos trabalhos domésticos, as mulheres geralmente são quem se encarregam de
executar trabalhos reprodutivos (BORIS, 2014; OECD, 2020). Como essas atividades são
tomadas como habilidades “naturais” femininas, seu valor econômico é apagado e inclusive
tido como trabalho desqualificado, capaz de ser realizado por qualquer pessoa, visto que as
mulheres o executam sem receber para tal (BORIS, 2014).
Para Eleonore Kofman (1995) é importante examinar a relação entre as esferas pública
e privada para entender os direitos e obrigações das mulheres e como se dão dentro da
sociedade. As obrigações são desproporcionalmente localizadas na esfera privada, como a
obrigação de cuidados referentes a crianças, idosos e deficientes que é atribuída de forma
desigual na sociedade, enquanto as atividades de cidadania são associadas com a esfera pública.
No Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2012), cerca de 50%
dos homens realizam afazeres domésticos, sendo que esse percentual sobe para 90% quando se
trata de mulheres.
Embora as mulheres tenham conquistado a maioria dos direitos básicos de
cidadania, sua incorporação ainda as deixa em uma posição marginal.
Enquanto a segunda onda do feminismo destacou e se esforçou para abolir as
contínuas desigualdades entre homens e mulheres nos direitos civis, cívicos e
sociais, as mulheres continuaram a ser tratadas como cidadãs com uma
diferença, carecendo das qualidades essenciais que conferiam aos homens
plena cidadania (KOFMAN, 1995, p. 131, tradução própria)
Existe uma diferença entre dizer que a mulher está presente na cidade e que a produção
do espaço seja pensada e desenvolvida por e para ela. Em uma sociedade que encoraje igualdade
nos papéis de gênero e a reprodução de uma cidade não-sexista, se defende a integração de
habitação, emprego e serviços comunitários (FERREIRA, 2019). Porém, é importante
reconhecer que a desigualdade nos acessos aos espaços entre homens e mulheres não atravessa
a produção da cidade, mas são elementos constituintes das mesmas (GOUVEIA, 2005), ou
melhor, a forma como a cidade é (re)produzida não passa de um reflexo da realidade social
desigual. A perspectiva feminista de gênero no estudo dos usos das cidades possibilita ir além
da tão somente dimensão da desigualdade de gênero e assume como problemática a
subordinação da mulher pelo domínio masculino de produção e reprodução dos espaços
urbanos, ou seja, o patriarcado. Compreende, ainda, as dimensões das relações de poder que
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envolvem desde o corpo feminino, o uso dos espaços domésticos e públicos, aos padrões de
mobilidade urbana, defendendo a necessidade da libertação de todas as mulheres.
O uso do conceito de gênero na análise geográfica é debatido por Joseli Maria Silva
(2003) como uma ferramenta teórica de ruptura de uma perspectiva androcêntrica do
conhecimento científico. As análises geográficas, quando deixadas às mãos das perspectivas
hegemônicas de domínio masculino, criam barreiras invisíveis que excluem toda uma micro-
escala de abordagem onde se encontra a mulher como sujeito socioespacial. Portanto, incluir o
gênero nesse estudo é uma decisão política de resistência. Quando o adotamos para analisar o
uso das cidades, percebemos o quanto a diferença de gênero implica em diferentes cotidianos e
padrões de comportamentos.
Para cumprir as jornadas duplas, as mulheres precisam realizar mais trajetos a e
possuem padrões de deslocamentos mais complexos (OECD, 2020). Sendo assim, homens e
mulheres possuem padrões de mobilidade distintos, pois mulheres tendem a usar o transporte
público fora de horários de pico, em trechos mais curtos e horários variados (REEVES;
PARFITT; ARCHER, 2012). Em um estudo realizado pela Prefeitura de São Paulo (2020), a
realidade feminina de deslocamentos mais frequentes em diversos horários foi reforçada.
Ainda, concluiu-se que as mulheres realizam mais trajetos a pé ou em transportes coletivos que
homens, enquanto estes são maioria no transporte individual e possuem uma rotina de
deslocamento mais linear, viajando em horários de pico. Ou seja, confirma o padrão de
deslocamento masculino casa-trabalho/ centro-bairro.
A garantia do funcionamento da vida das mulheres também inclui o lugar de moradia,
o acesso aos equipamentos públicos e qualidade na realização de seus trajetos. A demanda por
mobilidade certamente diz respeito à oferta de meios de serviços públicos de deslocamento,
porém não deixa de incluir outras adversidades do núcleo urbano que configuram um cenário
de funcionamento com outro padrão que não o tradicional bairro-centro/casa-trabalho centrado
na realidade masculina. Um ponto importante trazido por Candice Vidal e Souza (2018) é o
tempo de ocupação de terrenos nos bairros quando descrevendo lugares e suas mobilidades, sob
o argumento de que as condições para a urbanização e transporte influenciam na capacidade de
movimentos realizados pelos indivíduos para além de suas casas. A mobilidade também é
influenciada pelos arranjos domésticos como a presença de crianças e condições de emprego.
Reivindicações como falta de banheiros públicos, bebedouros, a questão dos terrenos baldios,
a falta de iluminação pública, a acessibilidade e arborização das calçadas e ciclovias, a
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descentralização da rede de equipamentos públicos e serviços são todas pautas comuns
relacionadas à mobilidade urbana e gênero (SARMENTO, 2018).
Com isso, percebemos as amplas conexões que a mobilidade urbana faz com outros
aspectos da vida que vão muito além dos efeitos práticos de melhorias de um sistema público
de transportes. Ao incluir o gênero nessa equação de planejamento urbano e mobilidade, nos
deparamos com uma quantidade de discussões transversais ao tema e que evidenciam que os
problemas de mobilidade quando associados a gênero são extensos, estando diretamente
relacionados às questões de insegurança e isolamento das mulheres.
Mulheres e política: autonomia e liberdade
O medo de que as mulheres abandonem os deveres domésticos é um dos principais
argumentos que afastam as mulheres da política, que participar da vida pública significaria
abdicar de dedicar-se a cuidar dos filhos e do lar. Ana Maria Colling diz que “o encarceramento
da mulher ocidental no mundo privado e doméstico foi utilizado como argumento para sua
exclusão” (2011, p.11). Fazia-se acreditar que, por natureza, cada sexo tinha sua função e,
portanto, as mulheres não poderiam participar da esfera pública. “O mundo público, político,
decisório, sempre foi masculino por excelência” (id.).
Passadas quase duas décadas do século XXI, agora com uma Constituição
Cidadã, um novo código civil, Lei Maria da Penha, Lei Anti-feminicídio, as
mulheres ainda se perguntam: como ser cidadã autônoma se a violência contra
a mulher segue seu trajeto histórico? Como ser cidadã se o estupro continua
instalado na cultura brasileira? Como ser cidadã se os salários são menores
para trabalho igual? Como ser cidadã se uma mulher não pode vestir a roupa
que quiser, suspeitar de quase todos os homens nas ruas, nos ônibus, nos
metrôs? Como ser cidadã se a gravidez e a maternidade ainda é utilizada como
signo de inferioridade? Como ser cidadã se o desrespeito das mulheres na
política continua sendo uma prática cotidiana? (COLLING, 2017, p. 19).
As cidades modernas estão construídas com base nas divisões entre as atividades de
produção e reprodução. Sendo a construção espacial das cidades de ordem patriarcal, a
invisibilidade das mulheres na produção do espaço das cidades produz bairros, ruas, transportes
e serviços que não correspondem com suas necessidades (SOTO VILLAGRÁN, 2014). Às
mulheres é historicamente designado o papel de cuidadoras, sendo elas muitas vezes as
responsáveis em garantir o bem-estar de crianças, adolescentes, idosos, pessoas com
deficiência. A cidade que ignora esse retrospecto social ignora as mulheres e todas as pessoas
envolvidas nessa rede de cuidado. “Quando construímos ambientes urbanos a partir de
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perspectivas privilegiadas ao longo da história, violamos a ideia de cidades para todos”
(COURB, 2016).
Não é possível seguir considerando que as mulheres sejam capazes de falar
sobre os seus temas específicos [...] quem define as mulheres como específicas
não somos nós mesmas, são os outros que nos querem assim. Isto é imposição
e dominação (GOUVEIA, 2005, p. 61)
A UN-Habitat (AMIRTAHMASEBI; VUOVA; FOX, 2020) diz que os processos de
urbanização estão fundamentalmente ligados aos aspectos culturais, legais e econômicos de
gênero; e que a urbanização tem o potencial de empoderar mulheres e meninas e melhorar a
qualidade de vida. Daniela Sarmento (2018) afirma que “ao pensar a cidade na perspectiva das
mulheres, abre-se caminho para a humanização do processo de planejamento urbano” (p. 64).
Assim como para Taciana Gouveia (2005), “analisar as sociedades numa perspectiva de gênero
é desvelar e buscar transformar os complexos mecanismos sociais, políticos e institucionais que
têm mantido as mulheres em situações de opressão, submissão e injustiça” (p. 56-57). Inclui-
se aos direitos sociais das mulheres questões como estupro, assédio sexual, direitos das lésbicas,
direitos reprodutivos (acesso a contracepção e aborto), condições justas e seguras de trabalho e
equiparação salarial (KOFMAN, 1995). Também é importante enfatizar que o feminicídio é o
ato máximo de agressão, mas antes dele se identificam outras formas de abuso como a
invisibilização, chantagem, ameaça e estupro, ou seja, também é imprescindível a preocupação
por promover equipamentos de proteção à mulher (FERREIRA, 2019).
Gênero e planejamento urbano
O planejamento não é o fator determinante, porém implica nos padrões de uso que se
formam no espaço urbano. A maneira como se criam os espaços interfere diretamente em como
se dará a utilização dos mesmos. Obviamente a relação espaço-usuário não está isolada a uma
única forma de relação e possui rias formas de estabelecer comportamentos, portanto,
planejar o espaço urbano abarca considerar a realidade e as expectativas sociais. Dito isso,
quando se adota uma perspectiva de gênero percebe-se que a configuração espacial pode ser a
chave da construção de desigualdade de gênero e exclusão feminina (FERREIRA, 2019).
Ana Falú (2009) sugere que as mulheres têm o corpo como o primeiro espaço de
resistência e que é preciso empoderar esses “corpos-territórios” para avançar no direito ao uso
das cidades. Ela o faz citando o argumento de Tamar Pitch (2008), a qual defende que não é
necessária uma “esterilização” do terreno urbano, e sim que sejam disponibilizados mais
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recursos que possibilitem que as mulheres atravessem os espaços com mais confiança. Sob a
lente da neutralidade as estruturas de poder são reproduzidas na produção do espaço urbano, e
mais uma vez as mulheres não são contempladas no desenvolvimento das políticas urbanas. As
mulheres ao perseguir o exercício pleno da cidadania também buscam ampliar a condição de
partícipe do espaço público e político das cidades, rompendo a determinação de pertencer ao
espaço privado, doméstico (SARMENTO, 2018). A ideia de cidadania vai além da dimensão
de acesso a direitos, significa poder protagonizar politicamente no que é bem comum
(GOUVEIA, 2005), assim como os homens o fazem.
As práticas de planejamento dominadas pelos homens produzem espaços ditos
“homogêneos e universais”, mas que em realidade são centrados a partir de seus próprios
interesses e preocupações (GUITART, 2007). O próprio planejamento urbano gera um acesso
desigual aos espaços e serviços das cidades, fruto da reprodução dos planos de caráter sexista,
insensíveis às questões de gênero e que modelam cidades que restringem a capacidade de
mobilidade das mulheres (SOTO VILLAGRÁN, 2014). Vestir a lente feminista de gênero ao
pensar no planejamento das cidades resulta em projetos de desenho urbano especiais, por
exemplo, ao levar em conta as distâncias dos equipamentos públicos aos acessos de transportes
e entre si. Pois quando a cidade é planejada a partir do princípio sexista de que o lugar da mulher
está em casa, os desenhos urbanos não atentam a essas necessidades e concretizam situações
em que mulheres têm dificuldade no acesso a serviços e espaços, inclusive ao meio ambiente.
E isso fica ainda mais aparente quando agregado contextos de pobreza (SOTO VILLAGRÁN,
2014). Os espaços de áreas verdes das cidades, por exemplo, são geralmente destinados a
campos de futebol, quadras ou espaços de jogos infantis, todos espaços frequentemente
ocupados por sujeitos masculinos, deixando a população feminina restrita a opções de
atividades voltadas ao seu papel tradicional de mãe (SOTO VILLAGRÁN, 2014; COURB,
2016). A construção de políticas públicas voltadas à mobilidade urbana quando vinculadas às
questões de gênero e os modos de viver na cidade, geram soluções mais justas e inclusivas. As
cidades se desenvolveram sem a participação das mulheres no debate das políticas públicas e
urbanas, portanto se reivindica que no planejamento e gestão das cidades haja participação de
mulheres que trabalhem para esta pauta, a fim de proporcionar espaços urbanos mais habitáveis
(SOTO VILLAGRÁN, 2014; SARMENTO, 2018).
Apesar de haver um aumento nas lideranças femininas, a participação nos espaços de
decisão política ainda é baixa. Ainda que importante, não basta atender as demandas do capital,
é necessário analisar a dimensão humana no território, principalmente ao que não é considerado
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pauta pelo pensamento dominante, que também se entende como excludente. Quando se inclui
essa perspectiva, se inclui também todos aqueles sujeitos até então ocultos nos processos de
produção das cidades. Daniela Sarmento (2018, p. 67) diz que “a chave para a transformação
do espaço está na abertura às demandas sociais e ter como objetivo os valores da igualdade, da
diversidade e da participação cidadã”. Se o pensamento dominante é sexista e não contempla
uma visão feminista de gênero, se supõe que tampouco tratará suas questões. Romper as
barreiras desse formato depende de uma transformação sociopolítica que certamente não
acontece de forma imediata. Por isso, diversos grupos, coletivos, organizações ou instituições
alheias ao Estado desenvolvem ações políticas, e buscam a partir de iniciativas populares
colaborarem para transformar o urbano.
Iniciativas populares
Se antes o planejamento urbano era de única responsabilidade do Estado, atualmente
temos também a ação política de iniciativas populares (SANTOS, 2006). Apesar do espaço
público seguir sendo masculino, várias conquistas feministas foram adquiridas ao longo da
história como fruto das lutas das mulheres. Estratégias individuais e coletivas são
desenvolvidas, enfrentando as dificuldades no uso do espaço urbano para conseguir realizar
suas atividades sociais, profissionais ou políticas.
Segundo Angela Santos (2006), foi com Jane Jacobs, em Nova York, a partir de 1960,
em um movimento contra as cirurgias urbanas, que se rompeu a concepção do planejamento
urbano como atividade meramente técnica desenvolvida pelo Estado. Abriu-se lugar para
iniciativas populares de planejamento participativo que contasse com os residentes da cidade
como os novos atores no planejamento urbano. Anna Guitart (2007) descreve que na Espanha
têm surgido grupos de mulheres arquitetas e geógrafas que trabalham com o objetivo de
reivindicar um modelo de cidade voltada para viver e não apenas para se mover e trabalhar.
Assim como na Espanha, outros países também possuem esse tipo de política, como exemplo
a Red Mujer y Hábitat América Latina y Caribe formada em 1989 e que hoje possui
representações de instituições, organizações e ativistas na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Colômbia, El Salvador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana,
Uruguai e Espanha. Outro exemplo é o movimento fruto da iniciativa de imigrantes nos Estados
Unidos nos anos 80 e 90, que criou hortas urbanas como produção alimentar para consumo da
vizinhança que, na visão feminista de comunidade, serve como ferramenta para “novas formas
coletivas de reprodução”. É, portanto, uma iniciativa popular que altera a estrutura domiciliar
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e do espaço público, e constitui outros arranjos sociais possíveis (FEDERICI, 2014 citada por
RODRIGUES, 2017).
Problemas de mobilidade urbana vividos por mulheres
A mobilidade urbana pensada a partir de uma perspectiva de gênero remete a diversas
dimensões que abarcam a vida urbana e os espaços de uso em que a mobilidade acontece.
Portanto, é necessário inserir a perspectiva feminista no planejamento urbano para identificar
os problemas enfrentados pelas mulheres a fim de reproduzir uma cidade mais inclusiva e
habitável para essa população, garantindo a segurança e atendimento de suas necessidades na
realização de seus trajetos.
Insegurança
A insegurança é uma questão cotidiana que influencia a vida das mulheres no uso das
cidades. O medo e o desconforto constrangem e por vezes impedem mulheres a realizarem
certos trajetos, limitando muitos dos seus acessos à vida urbana. Pesquisas indicam que
aproximadamente 60% dos moradores urbanos em nações em desenvolvimento já vivenciaram
crime. Porém, quando se analisa gênero, as mulheres têm o dobro de possibilidade de
experienciar crimes de caráter violento (AMIRTAHMASEBI; VUOVA; FOX, 2020). Quando
se trata de segurança é possível distinguir a insegurança objetiva, ou seja, a possibilidade real
da pessoa ser vítima de algum delito, e a insegurança subjetiva, que é o sentimento de medo, o
qual muitas vezes faz com que grupos vulneráveis renunciem à mobilidade por medo do trajeto
(SOTO VILLAGRÁN, 2014 apud FERREIRA, 2019).
Sabendo que as cidades não são iguais para mulheres e homens, quando se fala em
insegurança para mulheres nas cidades, refere-se tanto à violência que se experiencia como à
que se teme. Uma pesquisa realizada pela Red Mujer y Hábitat de América Latina (FALÚ,
2009) demonstrou que apesar da violência nas ruas afetar principalmente os homens, a
percepção do medo da violência é maior para as mulheres. na esfera privada a violência
quase sempre está direcionada às mulheres. A violência individual se transforma em social e
política quando incorporada de forma transversal à questão do gênero. Quando uma mulher
sofre violência de gênero, ou seja, por ser mulher, essa violência precisa ser tratada como um
problema público.
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Ana Falú (2009) diz que a perspectiva de gênero no planejamento urbano contribui para
dar visibilidade às diferenças entre ser homem e ser mulher, distinções as quais definem
respectivos comportamentos. Quando uma mulher precisa escolher seu trajeto com base na
sensação de segurança que o caminho proporciona ao invés da distância do deslocamento,
percebe-se que uma importante falha na elaboração dos planos de mobilidade urbana. “A
mulher acaba moldando seus comportamentos a partir de imposições de um espaço produzido
pelos homens e para os homens” (RODRIGUES, 2017, p. 7), e essa configuração espacial
segregante fica evidente quando a falta de iluminação ou visibilidade (pontos cegos), por
exemplo, fazem com que as mulheres alterem seus percursos e andem mais para chegar onde
precisam (RODRIGUES, 2017).
Necessidades únicas de transporte
O que está sendo feito para atender às necessidades específicas de transporte das
mulheres? Dada a combinação das responsabilidades relacionadas às atividades produtivas e
reprodutivas, as mulheres possuem necessidades únicas de transporte. Em geral, dispõem de
menos tempo para se locomover para o trabalho do que os homens, o que resulta na redução de
possibilidades de empregos bem como na qualidade destes. O padrão complexo de
deslocamento das mulheres ligado às multitarefas desenvolvidas são características essenciais
do comportamento feminino na mobilidade urbana. Ao ser levado em conta nas
regulamentações dos planos de transporte, podem aliviar a carga enfrentada, reduzir o número
de viagens necessárias, distâncias percorridas e consequentemente o tempo gasto nesses
deslocamentos; o qual poderia ser usado para investir em outras atividades (MICKLOW;
KANCILIA; WARNER, 2015).
Além disso, as mulheres se deparam com outros obstáculos como a dificuldade em
transitar com carrinhos de bebê ou de compras, a altura dos apoios dentro dos transportes, a
falta de segurança nos percursos e de iluminação nas vias. Em Viena, na Áustria, foi feito um
levantamento (FORAN, 2013) sobre o uso do transporte público que constatou que os homens
usavam carro ou ônibus duas vezes ao dia - ida e volta ao trabalho - enquanto as mulheres
usavam formas de locomoção mais frequentemente e por diversos motivos. A partir dessa
pesquisa (FORAN, 2013), foi adicionada iluminação para tornar as ruas mais seguras para
mulheres caminharem à noite, calçadas foram alargadas e rampas instaladas para facilitar a
locomoção de pessoas com carrinhos de bebê, cadeira de rodas ou andadores. Para todas as
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mulheres, segurança e facilidade de deslocamento foram relatadas como prioridades (FORAN,
2013). O Instituto de Urbanismo Colaborativo (COURB, 2016, n. p.) cita que
(...) o percentual de mulheres é usado como um indicador de segurança nos
espaços públicos. Não porque a presença delas torna o lugar mais seguro, mas
porque um local seguro é aquele capaz de atrair também o público feminino
(COURB, 2016, n. p.).
Dito isso, ressalta-se a importância de medidas que sejam combativas para garantir a
integridade das mulheres e o bem-estar de todos os usuários do transporte público. Não basta
pensar medidas urgentes que amenizam os problemas e mantêm sua raiz. As políticas precisam
cobrir as demandas, e para isso, atribuir mais linhas, horário e campanhas educativas contra o
assédio são algumas opções para garantir melhor qualidade nos serviços (COURB, 2016).
Suprir essas demandas em um planejamento sensível a esses fatores, que assim como a
insegurança, geram uma necessidade específica de transporte, induz a criação de cidades mais
inclusivas para as mulheres e para todos.
Exclusão e isolamento da mulher
Pensar em cidades inclusivas para as mulheres pressupõe uma existente exclusão das
mesmas nesses espaços. O espaço público produz e reproduz as relações patriarcais de poder,
que também se desenvolvem no âmbito privado e influenciam na escala pública. Para
compreender a raiz das restrições do direito ao uso da cidade para as mulheres, deve-se analisar
as relações de poder impostas tanto nos ambientes públicos como privados, já que este, mesmo
que inconscientemente, influencia no senso de liberdade de movimento das mulheres. Tovi
Fenster (2005) interpreta a teorização de De Certeau sobre pertencimento e apego como
sentimentos “construídos a partir do conhecimento acumulado, da memória e das experiências
corporais íntimas do uso cotidiano, principalmente pelo caminhar” (p. 222, tradução própria),
ou seja, o senso de pertencimento se desenvolve a partir da conquista do direito de uso da cidade
e sua repetição no dia a dia.
As funções reprodutivas atuam sobre o sentimento de pertencimento aos espaços
públicos no momento em que as mulheres passam a usar os espaços ao seu entorno mais
intensamente para cumprir as atividades advindas dessa responsabilidade, como compras, levar
as crianças na escola ou caminhar com os carrinhos de bebê. Na pesquisa desenvolvida por Tovi
Fenster (2005), muitas mulheres relataram que se sentiram muito mais ligadas ao seu entorno
depois de se tornarem mães. Portanto os deveres ligados ao gênero, realizados por mulheres,
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tornaram essa conexão com o entorno muito mais forte do que para seus parceiros. Contudo, a
cultura patriarcal, classista, racista e homofóbica, também modela a concepção de espaços
públicos como proibidos. Através de práticas de dominação que repercutem no medo e na
insegurança, ou da exclusão dos espaços, viola-se o direito ao uso da cidade para as mulheres,
por racismo, por normas religiosas, sexismo ou preconceitos por nacionalidade, estado civil,
orientação sexual, idade etc.; muitas vezes, estando também essas práticas conectadas a
problemas espaciais de planejamento urbano (FENSTER, 2005).
Tarsila Ferreira (2019) traz dados da pesquisa realizada pela organização internacional
de combate à pobreza, Action Aid, de 2016, em que de uma amostra de 503 mulheres brasileiras
entrevistadas, 100% sofreram assédio em sua cidade, das quais 50% foram seguidas nas ruas,
44% tiveram seus corpos tocados e 8% foram estupradas. Muitas entrevistadas relatam que têm
suas vidas afetadas e acesso a trabalho e educação limitados. Ao pensar nesses dados, surgem
discursos com tons protetivos. As mulheres, entretanto, não devem ser vistas como vítimas que
precisam ser constantemente protegidas, muito pelo contrário, precisam ser tratadas como
sujeitos autônomos da vida urbana (GUITART, 2007). A apropriação das mulheres sobre os
espaços urbanos é possível quando, antes de tudo, elas têm acesso a eles sem que o seu
deslocamento esteja restrito a horários ou formas de locomoção disponíveis.
O que buscam é um espaço para o exercício de uma cidadania ativa, de
participação, de construção de sujeitos portadores de direitos, não apenas objeto
deles.[...] A internalização cultural do espaço público ou urbano como
masculino e, portanto, proibido para as mulheres, contribui para que se sintam
responsáveis quando são vítimas de algum delito em via pública, por circular
em horários considerados socialmente inadequados ou com determinada
vestimenta (FALÚ, 2009, p. 23).
Portanto, pensar nos problemas de mobilidade urbana para as mulheres implica
considerar os impeditivos gerados pela insegurança ao acesso à vida urbana, entendendo o
padrão complexo de deslocamento que geram necessidades únicas de transporte e que
repercutem na conquista de um espaço de direitos e de pertencimento das mulheres. Assim, faz-
se imprescindível que as mulheres atuem como protagonistas na produção dos espaços e não
como mero objeto deles.
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Soluções propostas
O que é possível ser feito para atender às necessidades práticas das mulheres nos espaços
urbanos e garantir o direito pleno à cidade? Nesta seção, considerando os problemas apontados
neste trabalho, propõem-se soluções de efeitos práticos, que se referem às ações concretas que
modificam uma realidade e se desdobram em eventos cotidianos práticos; e soluções de efeitos
políticos, referindo-se às medidas que promovem a apropriação, autonomia e liberdade da
mulher como sujeito político e com direito à cidade.
Soluções de efeito prático
Dentro da amostragem analisada de artigos, uma série de iniciativas despontam na
tentativa de promover uma cidade mais justa, inclusiva e segura às mulheres. Nessa seção,
destaca-se algumas às quais se consideram práticas ou imediatas, sendo essas definições
pautadas por políticas que atendam a efeitos específicos do sexismo na cidade e não
propriamente à sua gênese.
A Carta das mulheres para a cidade de Blumenau, citada por Daniela Sarmento (2018),
aponta a necessidade de repensar a mobilidade urbana a partir do gênero e propõe a oferta de
linhas e horários de transporte público pensado para atender a demanda de acesso aos
equipamentos públicos fora dos horários de fluxo produtivo. Também reivindica a
descentralização da rede de equipamentos públicos e serviços trazendo mais vitalidade aos
bairros e facilitando os trajetos que compõem o cotidiano das cidades. Também se encontra
nesse documento as demandas por banheiros públicos e bebedouros, iluminação pública,
acessibilidade e arborização de calçadas (SARMENTO, 2018).
Sendo as mulheres as principais encarregadas pelas atividades de cuidados, é importante
que a moradia esteja conectada aos equipamentos públicos essenciais de desenvolvimento da
vida, isto é, que conte com o acesso a escola, creche, posto de saúde, áreas de esporte e lazer,
além dos serviços de transporte público. A indisponibilidade ou ausência desses equipamentos
faz com que as mulheres tenham que dispor de mais tempo para suprir as necessidades que
surgem a partir dessas faltas, consequentemente reduzindo o tempo que poderiam utilizar para
outras atividades que aportem a sua independência (ROLNIK et al., 2011). Portanto, a
conectividade contribui para a autonomia das mulheres, em que a habitação não apenas cumpre
o papel de espaço para habitar, mas reforça a inclusão da população que ali vive. Nos casos dos
condomínios de habitação popular muitas vezes são mulheres chefes de família, cuidadoras,
com sobrecarga de responsabilidades (SARMENTO, 2018).
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Em Viena, na Áustria, um dos projetos realizados foi, em 1993, a construção de um
complexo de apartamentos projetados por e para mulheres, chamado “Women-Work-City”, o
qual surgiu com a ideia de facilitar a vida das mulheres após um levantamento que indicou que
as mulheres passavam mais tempo por dia em atividades da casa e cuidados (FORAN, 2013).
Sendo assim, neste complexo encontra-se creche, farmácia, consultório médico e espaços
verdes, além de estar localizado perto do transporte público. Outra iniciativa da cidade de Viena
foi a respeito dos parques, que após identificar o decréscimo no número de meninas maiores de
nove anos de idade nesses espaços, decidiu reprojetar dois parques do distrito tornando-os
mais acessíveis e com uma maior variedade de atividades. Apesar do sucesso indicado na
iniciativa em Viena, questiona-se até que ponto o projeto pode resultar em uma segregação
ainda maior ou a exclusão de mulheres aos espaços fora do complexo, seja de forma
compulsória ou por conveniência. Partindo do pressuposto de que dentro do complexo possuem
à disposição a base necessária para um cotidiano de multitarefas.
Quando pensamos na segurança das mulheres nas cidades, a vigilância natural
proporcionada pelos próprios usuários dos espaços públicos através das atividades que ali se
desenvolvem é um aspecto importante. Espaços públicos iluminados com vida urbana ativa
geralmente são espaços mais seguros para todos (GUITART, 2007; COURB, 2016). Decks e
terraços de bares que dão para a rua desempenham uma função de segurança por oferecer
vivacidade nos espaços públicos (GUITART, 2007), fato que demonstra que uma cidade que
promove a ocupação democrática do espaço público também está colaborando para promover
ambientes mais vivos e consequentemente mais seguros. Também é importante considerar os
equipamentos de proteção à mulher, os quais devem estar situados, preferencialmente, “em
áreas próximas a outros serviços que compõem a rede de atendimento, e que sejam bem
providas pelos meios de transporte urbano” (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA
MULHERES, 2010, p. 56, citado por FERREIRA, 2019, p. 98).
Amanda Micklow, Elizabeth Kancilia e Mildred Warner (2015) sugerem que o
planejamento para as mulheres beneficia também as pessoas idosas, e que ambas compartilham
soluções em comum. A partir dessa lógica, quando se considera ações de planejamento de
efeitos práticos de mobilidade para mulheres que se locomovem com carrinhos de bebê, por
exemplo, se projeta a demanda por construir rampas de acesso e acaba por atender
simultaneamente a necessidade de pessoas idosas com dificuldade de locomoção, bem como
pessoas com deficiência com mesma demanda.
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A COURB (2016) sugere como soluções na área de habitação garantir às mulheres o
direito à titularidade de imóveis, um desafio ainda presente em muitos países pelo pré-
julgamento de que não geram riqueza e, portanto, não podem ser proprietárias de seus lares.
Por outro lado, Taciana Gouveia (2005) levanta a questão de o direito à titulação da moradia
em nomes de mulheres ser garantido, muitas vezes, sob a perversa ideia da mulher como
“recurso mais confiável”. Esse afronte demonstra na prática a diferença entre o uso da mulher
como objeto de políticas em comparação a mulher como portadora de direitos. A COURB
(2016) também sugere garantir a acessibilidade a imóveis próximos dos equipamentos públicos
e a prática de programas habitacionais, em especial com prioridade às mulheres em
vulnerabilidade e em situação de violência doméstica como alternativa de amparo e proteção.
Faz-se importante frisar que apesar de se reconhecer a relevância de medidas protetivas, não se
considera tal modalidade como concludente da problemática. Quanto aos transportes, a
COURB (2016) sugere uma política de bilhetes flexíveis que possam ser utilizados em várias
viagens, bem como o acréscimo de mais linhas e horários, e citam as iniciativas adotadas em
alguns lugares que reservam vagões do metrô para mulheres, mas enfatizam: “a segregação das
mulheres ou de qualquer outro grupo diante de uma problemática não é a solução” (COURB,
2016).
As reservas de vagões exclusivos femininos nos metrôs são parte de políticas
importantes que geram efeitos práticos imediatos e podem amenizar uma série de problemas.
Porém, novamente a reflexão que se faz é a importância da continuidade em trabalhar no
problema, a fim de buscar soluções em uma dimensão política de mudança de comportamentos
da sociedade desigual que voltem à raiz do problema, e não que atuem com um caráter protetivo.
Como dizem Candice Vidal e Souza e Marcos Oliveira (2017), as soluções adotadas sob
argumento de proteção das mulheres acabam se tornando proibições impostas a elas. Em
algumas cidades de países como Rússia, México, Emirados Árabes, Líbano, Irã e Bangladesh
se adotou uma modalidade de serviço de transporte individual exclusivo para mulheres com
condutoras também mulheres. No Reino Unido, Índia, Malásia, Mongólia e África do Sul esse
serviço está disponível sob a marca “Woman for Woman Taxis” [Taxis de mulher para mulher]
(VIDAL; SOUZA; OLIVEIRA, 2017). Essas medidas não acabam com o problema do assédio
nos transportes, por exemplo, e podem alimentar uma maior segregação, porém servem para
preservar a integridade das mulheres que o utilizam.
Uma série de soluções e iniciativas são propostas nos trabalhos analisados, e é preciso
reconhecer que existem soluções gerais e específicas e que cada uma delas vai ser
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diferentemente aplicável de acordo com seu contexto geográfico. Porém, todas elas estão
conectadas de alguma maneira e propõem resolver problemas enfrentados pelas mulheres no
desenvolver de suas mobilidades. Quando pensadas soluções de efeito prático, dentro de uma
lógica de demanda urgente, certas medidas se aplicarão, mas é importante levar em
consideração que somada a elas há toda uma dimensão de soluções de efeito político que anda
em paralelo na tentativa de tornar as cidades espaços mais inclusivos e habitáveis para
mulheres.
Soluções de efeito político
As soluções de efeito político vão mais além do aspecto prático, pois buscam resolver a
gênese do problema de gênero, ou seja, compreendem o papel social de subordinação feminina.
Sendo assim, apresenta-se soluções que promovem a autonomia e liberdade da mulher na
política, que cidades com participação e desenvolvimento político e cidadão também o
cidades mais habitáveis.
Ana Falú (2009) diz que os espaços públicos são lugares de expressão de poder, e que
que as cidades são compartilhadas por múltiplas identidades, é preciso uma participação
democrática desses diversos atores sociais. É dizer que uma sociedade perigosa para as
mulheres não é uma sociedade democrática, porque democracia sem as mulheres não é
democracia. Para Raquel Rolnik (2020) “em lugar nenhum do mundo pode existir direito à
cidade enquanto as mulheres não puderem andar sozinhas nas ruas, a qualquer hora, sem medo”.
Tovi Fenster (2005) acusa uma linha de discussão em que se considera a cidadania na escala de
cidade e não de Estado. A autora aponta limitações no conceito lefebvriano de Direito à Cidade,
uma vez que segundo Fenster (2005) essa noção não é sensível às diferenças pessoais e coletivas
relativas às relações de poder do patriarcado e das diferenças étnico-raciais.
Taciana Gouveia (2005) reflete sobre a imposição de que mulheres são capazes de
representar seus próprios temas específicos, questiona quem são os sujeitos que articulam as
políticas públicas e diz que a falta de capacidade não é impeditivo para que os homens estejam
decidindo por todos nos âmbitos políticos de locais de decisões. A autora ainda diz que a
desconstrução desta situação contribui para sociedades mais equitativas nas relações de gênero,
em que políticas de igualdade sejam instituídas de forma estrutural e não apenas pontual e
paliativa. Tarsila Ferreira (2019) diz que o uso de um referencial masculino nas intervenções
urbanas prejudica o dia a dia das mulheres, ressalta que para que a cidade seja moldada com a
perspectiva de gênero é preciso que haja referenciais femininos no planejamento. Ademais, é
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preciso pensar o direito à cidade como um direito à acessibilidade, à mobilidade, mas
principalmente ao direito de planejar e produzir as cidades. A autora sugere que para
desenvolver uma cidade o sexista, é necessário integrar habitação, emprego e serviços
comunitários em uma mesma espacialidade, ou seja, criar um programa multidisciplinar para
atender as demandas. Também enfatiza a necessidade de dispor de equipamentos eficientes e
integrados de proteção à mulher e que estejam abastecidos de meios de transporte, o que
demonstra a relação entre segurança e mobilidade das mulheres.
Eleonore Kofman (1995) critica o modelo de sociedade que tem o espaço blico como
lugar de cidadania e que coloca a mulher como necessitada de proteção. Diz que a dicotomia
espaço público/privado é um obstáculo na luta das mulheres em adquirir completa cidadania.
Sugere a relação das esferas pública e privada/doméstica para possibilitar a participação das
mulheres nas atividades econômicas, sociais e políticas. Defende que as relações familiares e
obrigações de cuidados ao serem tratadas como esfera privada, excluem as mulheres das
atividades de cidadania que estão associadas à esfera pública. Ana Falú (2009) também traz
essa reflexão quando discorre sobre a violência no espaço privado/doméstico, portas adentro, e
assume que a violência de gênero deve ser tratada como um problema público e político, ou
seja, que rompa a barreira da esfera privada.
A relação esfera pública/privada fortalece a estrutura de subordinação feminina e
exclusão da mulher nos espaços de decisão, que espera da mulher o cumprimento das tarefas
de cuidado e manutenção do lar (privado), isentando-a da participação nos espaços de cidadania
(público). Ou seja, essa dicotomia constrói e mantém uma divisão sexual do trabalho imposta
e responsável por sustentar uma sociedade capitalista e patriarcal, que depende do machismo
para manter suas relações de poder. Quando se rompe essa barreira, é dizer, quando questões
como a violência de gênero praticada no ambiente doméstico é vista como responsabilidade
individual passam a ser tratadas como problema público, se rompe um pilar que sustenta uma
estrutura da sociedade. Isso consequentemente expõe problemas e formas de violência nunca
legitimadas, seja pelo Estado ou pelo debate público. Essa, com certeza, é uma discussão ousada
e potente, mas é também uma tentativa de ir à raiz do problema e buscar entender de que forma
se pode trazer a mulher para uma posição de igual poder sobre os espaços urbanos em que
habitam, conformam, são.
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Conclusões
Neste trabalho, realizou-se um compilado de soluções de mobilidade urbana visando
cidades mais habitáveis para as mulheres, com a contribuição da perspectiva feminista de
gênero. Buscou-se, para além das propostas de soluções urbanísticas voltadas para os planos de
desenhos das cidades, compreender também os movimentos de cunho político. Reafirma-se que
para além da compreensão da desigualdade de acesso à cidade entre homens e mulheres, é
preciso entender que essas desigualdades são estruturantes e condicionam a dinâmica das
cidades, ou seja, estabelecem relações de poder e consequentemente revelam a quem interessa
manter esse tipo de estrutura urbana. Quando falamos de política, sempre a deslocamos para
uma escala de análise macro e abstrata, difícil de apreender ideias e iniciativas. A escolha da
escala urbana é também um esforço político em engajar as mulheres com cotidianos que as
pertencem, ocupando espaços e dando visibilidade às suas formas de mobilidade. A perspectiva
feminista de gênero busca tornar as cidades um lugar de direito das mulheres, e não somente de
existência delas e, com isso, contempla também outras formas de expressão na sociedade.
Planejar considerando as demandas das mulheres garante que as necessidades de outros grupos
também sejam atendidas.
As políticas públicas de mobilidade, quando adotada a perspectiva feminista de gênero,
tendem a interdepender de outras políticas como moradia, segurança, emprego, lazer e
educação, pois são elementos que compõem uma macroestrutura de questões sociais que não
podem estar setorizadas, sem vínculos diretos, quando se busca planejar cidades mais justas,
inclusivas e habitáveis para mulheres e para todos. Entende-se que a dimensão geográfica
atingida nesse trabalho tem suas limitações, pois apesar de incluir contextos expressados
mundialmente, atem-se mais especificamente dentro dos recortes dos artigos, ou seja,
realidades do mundo ocidental. Outra limitação é em relação à crítica racial, pois apesar de
defender que todas as mulheres compartilham da opressão fundamental que atravessa o fato de
ser mulher, se entende que diferentes raças possuem diferentes experiências e acúmulos de
opressão. Por fim, esse trabalho buscou trazer uma nova noção do desenvolvimento da cidade
para uma vivência plena e segura das mulheres nos espaços públicos, enfatizando que as
soluções aqui abordadas não implicam em uma atenção exclusiva para as mulheres, e que o
gênero se potencializa quando atravessado por outros eixos de diferença.
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DOI: https://doi.org/10.35416/2024.10334 25
CRediT Author Statement
Reconhecimentos: a autora e o autor agradecem a todas as mulheres que pesquisaram o
tema para que pudéssemos realizar a pesquisa
Financiamento: não houve financiamento
Conflitos de interesse: os autores declaram não possuir
Aprovação ética: por se tratar de pesquisa bibliográfica, não foi necessária a submissão a
comitê de ética.
Disponibilidade de dados e material: a autora e o autor permitem a reprodução desde que
citada a fonte e autoria.
Contribuições dos autores: a autora realizou a busca e seleção dos artigos e construiu as
categorias de análise. O autor orientou o uso das bases de dados, construiu a estratégia
metodológica, organizou a versão final do texto e supervisou as outras etapas do trabalho.