Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441
DOI: https://doi.org/10.32930/nuances.v34i00.9262 1
UM LIVRO INFANTIL NÃO HÁ DE SER TÃO PERIGOSO: A IDEOLOGIA EM
QUASE DE VERDADE, DE CLARICE LISPECTOR
UN LIBRO INFANTIL NO DEBE SER TAN PELIGROSO: LA IDEOLOGÍA EN QUASE
DE VERDADE, POR CLARICE LISPECTOR
A CHILDREN’S BOOK SHOULD NOT BE SO DANGEROUS: IDEOLOGY IN QUASE
DE VERDADE, BY CLARICE LISPECTOR
Fabio SCORSOLINI-COMIN1
e-mail: fabio.scorsolini@usp.br
Soraya Maria Romano PACÍFICO2
e-mail: smrpacifico@ffclrp.usp.br
Como referenciar este artigo:
SCORSOLINI-COMIN, F.; PACÍFICO, S. M. R. Um livro infantil
não de ser tão perigoso: A ideologia em Quase de verdade, de
Clarice Lispector. Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente
Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441. DOI:
https://doi.org/10.32930/nuances.v34i00.9262
| Submetido em: 15/09/2023
| Revisões requeridas em: 25/10/2023
| Aprovado em: 12/11/2023
| Publicado em: 30/12/2023
Editores:
Profa. Dra. Rosiane de Fátima Ponce
Prof. Dr. Paulo César de Almeida Raboni
Editor Adjunto Executivo:
Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz
1
Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto SP Brasil. Professor Associado do Departamento de
Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo.
2
Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto SP Brasil. Professora Associada do Departamento de
Educação, Informação e Comunicação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo.
Um livro infantil não há de ser tão perigoso: a ideologia em Quase de verdade, de Clarice Lispector
Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441
DOI: https://doi.org/10.32930/nuances.v34i00.9262 2
RESUMO: Na contemporaneidade, o contexto educacional brasileiro tem sido marcado por
retrocessos que envolvem a tentativa de ruptura com os ideais democráticos, além da presença
da ideologia neoliberal. Este ensaio busca discutir de que modo a ideologia determina a
produção e/ou o apagamento de sentidos no ensino de literatura e no espaço escolar. Em termos
metodológicos, o corpus foi constituído pela obra Quase de verdade, de Clarice Lispector, que
narra a epopeia de um coletivo de aves que se contrapõem à exploração do seu trabalho,
combatendo a opressão. Os gestos de interpretação foram produzidos por meio dos conceitos
de autoria e ideologia mobilizados na análise do discurso pecheutiana, a AD. Esses conceitos
nos auxiliam a compreender como a literatura pode se colocar, na escola, a serviço da
humanização, da transformação social, do pensamento crítico e da democracia. Considerando
que não é possível conceber uma ação educativa desprovida de ideologia, “Quase de verdade,
na escola” se apresenta como um catalisador da polissemia e de uma interpretação contínua,
capaz de enfrentar os desmantelos promovidos por uma educação ilusoriamente apartidária.
PALAVRAS-CHAVE: Autoria. Ideologia. Análise do discurso. Clarice Lispector.
RESUMEN: En la contemporaneidad, el contexto educativo brasileño ha estado marcado por
retrocesos que implican un intento de ruptura con los ideales democráticos, así como por la
presencia de la ideología neoliberal. Este ensayo busca discutir de qué manera la ideología
determina la producción y/o el borrado de sentidos en la enseñanza de la literatura y en el
espacio escolar. En términos metodológicos, el corpus fue constituido por la obra “Quase de
verdade” de Clarice Lispector, que narra la epopeya de un colectivo de aves que se oponen a
la explotación de su trabajo, combatiendo la opresión. Los gestos de interpretación fueron
producidos a través de los conceptos de autoría e ideología movilizados en el análisis del
discurso pecheutiano. Estos conceptos nos ayudan a comprender cómo la literatura puede
ponerse al servicio de la humanización, la transformación social, el pensamiento crítico y la
democracia en la escuela. Considerando que no es posible construir una acción educativa
desprovista de ideología, “Quase de verdade” se presenta como un detonante de la polisemia
y de una interpretación perdurable capaz de hacer frente a los desmontes operados por una
educación ilusoriamente apartidaria.
PALABRAS CLAVE: Autoría. Ideologia. Análisis del discurso. Clarice Lispector.
Fabio SCORSOLINI-COMIN e Soraya Maria Romano PACÍFICO
Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441
DOI: https://doi.org/10.32930/nuances.v34i00.9262 3
ABSTRACT: In contemporary times, the Brazilian educational context has been marked by
setbacks involving attempts to break with democratic ideals, alongside the presence of
neoliberal ideology. This essay aims to discuss how ideology determines the production and/or
erasure of meanings in the teaching of literature and within the school space. Methodologically,
the corpus was constituted by the work “Quase de verdade” by Clarice Lispector, which
narrates the epic journey of a collective of birds who oppose the exploitation of their labor,
fighting oppression. Interpretive gestures were produced through the concepts of authorship
and ideology mobilized in the analysis of discourse, drawing from Pecheutian discourse
analysis. These concepts help us understand how literature can serve humanization, social
transformation, critical thinking, and democracy within the school setting. Considering that it
is not possible to construct an educational action devoid of ideology, “Quase de verdade”
presents itself as a trigger for polysemy and enduring interpretation capable of confronting the
dismantling operated by an illusorily nonpartisan education.
KEYWORDS: Authorship. Ideology. Discourse analysis. Clarice Lispector.
Introdução
Em 2021, comemoramos o centenário de nascimento de Paulo Freire. Frente a essa
efeméride, parece ser oportuno não apenas celebrar a obra desse educador, como também
recuperar muitos dos pilares por ele evidenciados na construção de uma prática educativa
comprometida com a transformação social e com a autonomia do sujeito (FREIRE, 2010). Em
que pese o inequívoco legado freiriano para o pensamento educacional, observamos
preocupantes retrocessos no contexto educacional contemporâneo brasileiro, sobretudo em um
momento no qual a democracia é colocada em xeque, o que parece ter se aprofundado desde o
golpe de 2016 e da posterior ascensão da extrema-direita ao poder entre os anos de 2018 e 2022.
Vivemos em um mundo contemporâneo, a desconstrução da escola como espaço de
liberdade e de manifestação do livre pensamento. Essa afirmação também pode ser empregada
em relação à universidade, cada vez mais dominada por ideologias correntes que assinalam o
seu compromisso com o neoliberalismo, com a produção de profissionais exclusivamente para
a lógica do mercado, para serem empreendedores e que possam lidar com as próprias
frustrações sustentados em uma inteligência, dita emocional, capaz de assegurar-lhes o
conformismo com o papel que ocupam e com a opressão sofrida por meio de posturas
alicerçadas nas máximas da resiliência, da empatia e da gratidão, movimento este que nos
parece próximo ao criticado por Freire (2010).
O desenvolvimento de uma competência emocional individual promoveria, dessa
forma, um sujeito interpelado pela ilusão de ser bem-sucedido, de ser inovador e de responder
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aos desafios impostos atualmente, quando, na verdade, apenas reafirmaria o seu lugar de
oprimido. Aqui, a educação contemporânea aparece cada vez mais alinhada a esse propósito,
como discutiremos a seguir.
Esses princípios têm sido apresentados como inovações curriculares. No ensino médio,
por exemplo, temos assistido à implementação de uma Base Nacional Curricular Comum, a
chamada BNCC (BRASIL, 2016a), que instaura o ensino por competências: decorrente desse
pensamento, aprender e ensinar são descritas como ações que têm por objetivo transformar o
sujeito em alguém mais competente, sobretudo para o mercado. As disciplinas de ciências
humanas e sociais são diluídas entre outros conhecimentos, não mais se interessando pela
formação de um sujeito humanizado, crítico, mas de um sujeito eminentemente útil.
No campo do ensino da literatura, por exemplo, desaparece fundamentalmente a
preocupação trazida por Antonio Candido (2011): a da literatura como possibilidade de
humanização do sujeito. Na proposta da BNCC, a literatura se torna porosa a outros conteúdos
não no sentido de promover reflexões interdisciplinares, mas, justamente, como conceitos
utilitaristas à compreensão de tantas outras noções definidas, nesse documento, como úteis ao
futuro empreendedor. Como empreendedor de si e da própria carreira, este aluno, ao término
do ensino médio, tem a ilusão de poder controlar a própria vida por meio de escolhas
particulares, recusando-se a compreender que está imerso em uma malha de determinações
costuradas pela ideologia da qual ele se apresenta como produto bem-sucedido.
Segundo Candido (2011), a literatura contribui para a humanização do sujeito ao
possibilitar o pensamento crítico, o posicionamento, a experiência, sendo alçada a uma
condição de direito. Assim, apresenta-se como um instrumento capaz de permitir ao sujeito não
apenas a compreensão das estruturas de poder que costuram suas relações e discursos como
também permite a fruição estética responsável pela conexão com o belo, com a emoção, com o
que compõe, de fato, nosso processo de humanização.
Quando os discursos educacionais nos diferentes níveis, da educação básica ao ensino
superior, reforçam posicionamentos individualistas, contribui-se para a promoção de uma
educação que não pode ter o seu incômodo compartilhado, queo pode se estruturar por meio
da dúvida ou da incompletude, caminhos propícios para a emergência da imaginação, como
proposto por Dewey (1959) e corroborado por autores como Candido (2011). Igualmente, não
pode se corporificar uma educação transformadora (FREIRE, 2010).
Essa postura essencialmente individualista reforça a alienação do sujeito, submetendo-
o à ilusão de ser ele o responsável único pelo seu desenvolvimento e também pelo seu dizer
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(PÊCHEUX, 2009). Assim, uma educação sustentada no humanismo e na democracia, por meio
de ações partilhadas e compartilhadas, pode ser um caminho potente de combate ao fascismo
na sociedade e, também, na educação. A partilha e o compartilhamento colocam-se como
atitudes promotoras de democracia, o que, em Paulo Freire, destaca o papel do diálogo em seu
propósito social, que leva à libertação e se recusa à dominação e à alienação (FREIRE, 2010).
Frente ao panorama apresentado, este ensaio busca discutir de que modo a ideologia
determina a produção e/ou o apagamento de sentidos no ensino de literatura e no espaço escolar.
Para tanto, construiremos uma problematização tomando como referência o livro Quase de
verdade, de Clarice Lispector, publicado originalmente em 1978. Ainda que seja mais
reconhecida pelos textos voltados ao público adulto, a produção da autora voltada às crianças e
adolescentes tem sido recuperada nos últimos anos (SCORSOLINI-COMIN, 2021), em obras
como A vida íntima de Laura, O mistério do coelho pensante e, como destacado no presente
ensaio, Quase de verdade (LISPECTOR, 2010).
As obras de Clarice na escola gozam de importante prestígio, haja vista o argumento de
autoridade construído em relação à autora. Assim, é muito provável que ninguém ouse
questionar a qualidade do texto de Clarice ou a pertinência de seus textos com diferentes
finalidades, quer seja na discussão da autoria, no desenvolvimento da leitura e da escrita, ou
mesmo no ensino de literatura dentro da escola (SCORSOLINI-COMIN; PACÍFICO, 2023).
Frente a esse argumento, destacamos que é muito provável que Clarice Lispector não
seja uma autora cerceada no espaço escolar, tanto pela sua reconhecida autoridade quanto pelos
resquícios de uma crítica que a coloca como autora apartada de seu contexto social. Isso torna
lícito o emprego de seus livros, sobretudo quando estamos trabalhando com o público infantil,
como no caso do livro Quase de verdade (LISPECTOR, 2010). Retomando o título do presente
ensaio: um livro infantil não há de ser tão perigoso!
Em termos metodológicos, o presente ensaio se situa, teórica e epistemologicamente, na
análise do discurso pecheutiana (PÊCHEUX, 2009; ORLANDI, 2007), doravante denominada
AD. O sujeito da AD é o sujeito da ideologia e do inconsciente, um sujeito assujeitado por meio
da ideologia, por meio da linguagem e da língua. A ideologia captura o sujeito, também por um
movimento inconsciente, sendo que ele não pode controlar ou rejeitar a ideologia, por exemplo.
O controle dos sentidos é uma ilusão. A AD emerge a partir do interstício de três grandes áreas:
da linguística, do materialismo histórico e da psicanálise (BRANDÃO, 2004).
Com essa genealogia, a AD subverte o modo como língua, linguagem e discurso eram
concebidos até então, na década de 1960, ultrapassando a normatividade e buscando pensar de
Um livro infantil não há de ser tão perigoso: a ideologia em Quase de verdade, de Clarice Lispector
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modo mais propositivo como as determinações sócio-históricas podem se materializar nos
discursos. A linguagem, nessa concepção, não é algo transparente, mas que, justamente,
constitui-se na opacidade. Partindo desse pressuposto teórico-metodológico, o contexto de
produção deste ensaio, sustentado nos movimentos que têm questionado as ideologias
circulantes no espaço escolar, será abordado mais detidamente a seguir.
A ideologia no espaço escolar
No contexto escolar, alguns movimentos contemporâneos têm se tornado especialmente
preocupantes por um caráter autoritário e de cerceamento da escola como espaço de liberdade.
É o caso do Projeto de Lei n.º 193/2016, conhecido como “Escola sem partido”, que busca, em
suma, punir o que chama de “assédio” ideológico nas escolas (CAPAVERDE; LESSA; LOPES,
2019). Segundo Macedo (2017), a discussão dessa iniciativa tem origem em um debate
promovido por estudantes e pais ultraconservadores que se mostram preocupados com a
chamada “contaminação político-ideológica das escolas brasileiras”.
Essa preocupação dá origem a projetos de leis, em 2015 e em 2016, que visam a alterar
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), com a inclusão de um programa
denominado “escola sem partido” (BRASIL, 2016b). Com esse programa, a escola passa a ser
um campo de cerceamento de toda e qualquer reflexão que possa questionar os modos de vida,
as visões de mundo, adensando os tabus culturalmente construídos em relação a temáticas como
a política, a religião, a sexualidade e até mesmo a pensamentos filosóficos tidos como
transgressores.
No ensino superior, assistimos à lógica cada vez mais evidente da formação exclusiva
para o mercado, destituindo da universidade o seu papel formador, a sua condição de poder
fomentar o pensamento crítico. A formação apartada desse pensamento crítico pode ser
exemplificada pelo modo como a iniciativa privada tem cada vez mais estado presente no ensino
superior, por meio das seduções operadas em um mundo de tecnologias cada vez mais
desenvolvidas, com aplicativos, startups, bem como pela internacionalização crescente.
Para Zanon (2019), as novas formas do chamado trabalho flexível estão cada vez mais
presentes na educação, sobretudo quando pensamos um ensino superior em diálogo muito
próximo com as necessidades do mercado. A sedução operada por esses novos modelos,
impregnados de referências à inovação, ao empreendedorismo e ao potencial criativo do
trabalhador, promove a vinculação de seus desejos e afetos à dimensão do trabalho. Ao ser
Fabio SCORSOLINI-COMIN e Soraya Maria Romano PACÍFICO
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capturado por essa ideologia, o sujeito esforça-se por produzir cada vez mais, tendo a ilusão de
que o seu trabalho é inovador e se diferencia dos demais quando, na verdade, apenas reforça
uma tendência que se instaura desde o nível do discurso. Assim, trata-se de uma ideologia a
qual não se pode recusar.
Segundo Sousa e Coimbra (2021), essas mudanças fazem parte de uma “agenda de
desmontes do patrimônio público, de desresponsabilização do Estado pela manutenção das
políticas sociais, das medidas de restrições dos gastos públicos e de reformas que atacam
frontalmente os direitos da população” (p. 1054), o que interfere diretamente no modo como a
educação é corporificada tanto em termos de investimentos como de reflexões sobre o seu papel
em uma sociedade marcada por essa agenda. Nos programas de pós-graduação, por exemplo, o
exercício crítico tem dado espaço, por exemplo, à necessidade de que os estudantes não mais
construam teses e dissertação, mas produtos.
Ao nomear como produto aquilo que se pode desenvolver ao longo de dois a cinco anos
de pós-graduação, reforça-se o compromisso não necessariamente com a produção do
conhecimento, mas de uma produção para o mercado. A pós-graduação, assim como o ensino
médio, precisam ser úteis, gerando o que se tem chamado de inovação. Ser empreendedor e
inovador, neste contexto, é atender plenamente às expectativas do mercado, respondendo à
racionalidade neoliberal (DARDOT; LAVAL, 2016).
A internacionalização, embora permita o intercâmbio entre professores e estudantes com
instituições de todo o mundo, ainda se sustenta em uma lógica eminentemente colonialista, de
que é importante que conheçamos outros modelos apartados de nosso contexto de referência,
apenas reforçando o eixo Estados Unidos-Europa como o centro do conhecimento. Assim,
nosso país se ancora na lógica de um locus que deve ser estudado, muitas vezes em uma
perspectiva fetichizada de nossa realidade social, mas que não pode produzir, por si mesmo,
conhecimento científico (SCORSOLINI-COMIN, 2020).
Há que se considerar que o desenvolvimento educacional e do campo científico não se
fazem apenas com investimento financeiro, mas com a construção de uma agenda de
valorização de figuras como a do professor e a do pesquisador, por exemplo. Não queremos,
com este ensaio, negar o mundo contemporâneo tal como ele se apresenta e, fundamentalmente,
o papel da ideologia dominante. Defendemos, pois, que seja permitido ao sujeito, estudante,
pós-graduando, acessar o modo como essa ideologia tem costurado suas ações e se solidificado
nas instituições educacionais.
Um livro infantil não há de ser tão perigoso: a ideologia em Quase de verdade, de Clarice Lispector
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Para tanto, é fundamental que os termos empresariais correntes na escola e na
universidade, empreendedorismo, mercado e inovação, sejam tão problematizados como
aqueles que se referem mais à ordem do sujeito, a inteligência emocional, a gratidão, a empatia
e a resiliência, tal como a formação discursiva
3
dominante tenta naturalizar. Esses marcadores
não podem ser compreendidos apartados da ideologia que, como apresentaremos mais adiante,
é um conceito fundamental para a análise de discurso pecheutiana, referencial que costura o
presente ensaio. Mas como a literatura pode contribuir para as reflexões aqui endereçadas? É o
que discutiremos, a seguir, por meio da obra clariciana.
O social em Clarice
Clarice Lispector, que teve seu centenário de nascimento celebrado em 2020, é uma das
escritoras brasileiras de maior renome internacional (GOTLIB, 2009). Apesar do seu
reconhecimento e da penetração da sua obra em diferentes espaços, como na escola, ainda
pairam sobre a autora algumas representações que nem sempre correspondem à sua produção.
Uma delas se refere ao fato de Clarice ser frequentemente identificada como uma autora que
explorava em seus títulos um universo intrapsíquico, estando apartada das discussões sociais
mais candentes. Para buscar uma contraposição em relação a esse argumento, difundido em
críticas e em ensaios, é importante nos reportarmos a alguns elementos biográficos da autora,
percurso esse empreendido por autoras como Nádia Gotlib e Teresa Montero.
Nascida na Ucrânia no ano de 1920, chega ao Brasil acompanhando os pais e as irmãs
mais velhas que fugiam da guerra civil que ocorria naquele país ao final da Primeira Guerra
Mundial, que se dividia entre forças nacionalistas ucranianas separatistas e forças russas
comunistas. Embora nunca tenha atuado como advogada, graduou-se em Direito, pois, desde
criança, “(...) me prometia que um dia esta seria a minha tarefa: a de defender os direitos dos
outros” (GOTLIB, 2009, p. 131). Ao se casar, permaneceu anos morando no exterior na
companhia de seu esposo, que era diplomata. Durante todo esse tempo permaneceu conectada
ao Brasil através de correspondências trocadas com as irmãs e com amigos. Quando se separa
do marido, retorna ao Brasil com seus dois filhos ainda pequenos, em 1959. A seu modo, Clarice
participava da vida política do seu país, embora não fosse reconhecida propriamente como uma
militante.
3
A formação discursiva (FD) refere-se a tudo o que pode e deve ser dito dentro de uma situação sócio-histórica.
Assim, o sujeito produz seu discurso a partir de uma determinada posição socioideológica, também determinado
quais sentidos podem ser veiculados.
Fabio SCORSOLINI-COMIN e Soraya Maria Romano PACÍFICO
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Em 1968, durante a ditadura brasileira, Clarice participou, junto a artistas e intelectuais
como Ziraldo, Milton Nascimento e Oscar Niemeyer, de uma manifestação popular contra a
violência imposta pelos militares. Essa participação, divulgada pela mídia da época, recebe a
atenção de seus biógrafos justamente por ser uma das poucas expressões públicas nas quais a
autora se manifesta (GOTLIB, 2009; MONTERO, 2021; MOSER, 2017). Mesmo sendo
descrita como apartada desse contexto político em algumas de suas biografias, Clarice
manifesta o seu desejo pela justiça, a sua indignação em relação à miséria e o seu estarrecimento
diante da realidade brasileira, à época.
Essa vinculação da autora ao social e ao político é enfatizada, sobretudo, em suas
biografias mais recentes, a exemplo da que foi publicada por Teresa Montero, em 2021. Em seu
levantamento, Montero (2021) destaca o profundo incômodo da autora com a Ditadura Militar.
Revela, ainda, que a autora foi acompanhada pelo regime por ser judia e fazer parte de uma
elite intelectual que lutava pela democracia, sendo fichada pela polícia política de 1950 a 1973.
Com isso, refuta-se a especulação sobre a aparente “alienação” da autora do contexto político
e social de sua época (SCORSOLINI-COMIN, 2023).
Os contornos desse engajamento também podem ser observados em alguns de seus
textos. Entre as suas obras mais celebradas está A hora da estrela, último romance escrito pela
autora, que narra a epopeia de Macabéa, uma migrante nordestina no Rio de Janeiro. Para alguns
críticos, é apenas nessa última publicação que Clarice parece deixar claras as suas preocupações
sociais (MOSER, 2017). Mas esses marcadores podem ser identificados em toda a sua obra,
sendo que Clarice não se esquivou de importantes discussões, como o papel da mulher em nossa
sociedade, por exemplo. Ela mesma representava a ascensão de um feminino não mais
submetido ao jugo do marido, buscando sua independência e, sobretudo, a sua relevância como
escritora em um cenário dominado por homens, à época.
Além disso, Clarice representa muitos questionamentos emergentes em seu contexto de
referência, muitos deles sendo patentes até os dias de hoje, como explorado no conto
Mineirinho, que tece sentidos contra a violência com que um criminoso é brutalmente
assassinado, com 13 tiros: “Uma justiça prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a
do medo, e que um homem que mata muito é porque teve muito medo” (LISPECTOR, 2016,
p. 390).
Clarice se consagrou como uma autora que é sinônimo de credibilidade literária, de uma
escrita de qualidade, tanto que excertos de seus textos são veiculados de modo descontrolado
nas redes sociais (OLIVEIRA, 2018; SCORSOLINI-COMIN; RODRIGUES; PACÍFICO,
Um livro infantil não há de ser tão perigoso: a ideologia em Quase de verdade, de Clarice Lispector
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2023), quase sempre reafirmados em uma posição de prestígio, de um lugar de autoridade e de
responsabilidade pelo que se diz. Assim, ler ou trabalhar com a obra da autora pode ser
sinônimo de profundo conhecimento literário. É por essa razão que textos como o conto Amor
e o livro A hora da estrela já figuraram como leituras obrigatórias em vestibulares como os da
Universidade Estadual de Campinas e Universidade de São Paulo, respectivamente, apenas para
citar dois exemplos. Mas e a sua produção voltada ao público infantil?
Em Quase de verdade, livro narrado pelo sujeito-personagem cachorro Ulisses, a autora
aborda a vida em uma fazenda, em que cada espécie se dedicava a um fazer específico. Em
dado momento, as galinhas, que eram responsáveis por produzir os ovos, passam a ser
exploradas por uma figueira que não dava frutos. Esta, identificando que as galinhas punham
os ovos apenas quando havia luz, faz um pacto com uma bruxa que passa a iluminar a sua copa:
“Quero vender esses ovos e ganhar muito dinheiro” (LISPECTOR, 2010, p. 56). Assim, com a
árvore permanentemente iluminada, as galinhas passam a produzir ovos o dia todo, inclusive à
noite, gerando grande lucro para a figueira, que passa a vender toda a produção.
As aves demoram a compreender o que se passa, apenas se queixando por estarem
extenuadas. O galo Ovídio também é explorado: Aconteceu que as galinhas ficaram assustadas
porque nunca mais dormiam, pois botavam ovo sem parar, o tempo todo. Quanto a Ovídio, ele
se estrepou: como pensava que era de dia, ficava rouco de tanto cocoricar” (LISPECTOR, 2010,
p. 57). A figueira, a essa altura, contabiliza o seu lucro: “Enquanto isso, a figueira juntava ovos
que não era vida e tudo para vender e virar milionária. E nada pagava às galinhas, nem com
milho, nem com minhoca, nem com água. Era só aquela escravidão” (p. 57).
A situação de exploração do trabalho cessa quando as galinhas e os galos,
organizados contra a opressão da figueira, reúnem-se: “(...) eles iam contra a figueira ditadora,
iam exigir os seus direitos, pôr ovos para eles mesmos, reclamar comida, água, dormida e
descanso” (LISPECTOR, 2010, p. 58). Para tanto, colocam em prática um plano: atiram, então,
os ovos produzidos contra a figueira, quebrando-os todos: “(...) caíam no chão, quebrando-se
eles todos, e era casca para um lado, gemarada para outro, claras por mesmo, tudo
apodrecendo na terra. É uma pena sacrificar tanto ovo? É, mas às vezes a gente precisa fazer
um sacrifício” (p. 59-60). Nem mesmo a bruxa, cúmplice da figueira, a apoia neste momento.
Após o movimento organizado, as galinhas, então, passam a produzir apenas quando
a luz, ou seja, apenas durante o dia, voltando à normalidade. Com essa breve descrição do
enredo, problematizaremos, segundo a análise do discurso pecheutiana, como os conceitos de
autoria e de ideologia nos auxiliam a compreender como a literatura pode se colocar, na escola,
Fabio SCORSOLINI-COMIN e Soraya Maria Romano PACÍFICO
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a serviço da humanização (CANDIDO, 2011), da transformação social (FREIRE, 2010), do
pensamento crítico e da democracia (DEWEY, 1959).
Autoria e ideologia
Para a AD, a autoria não se localiza em um sujeito empírico, como se as características
individuais daquele que escreve, no caso, de Clarice, fossem suficientes para explicar o modo
como um determinado texto ou obra é produzido. Para além dos aspectos e traços particulares
de um autor, aspecto este que domina os estudos da autoria até nos dias de hoje, Pêcheux (2009),
na AD, trabalha com as posições assumidas pelo autor, vendo “nos protagonistas do discurso
não a presença física de organismos humanos individuais, mas a representação de lugares
determinados na estrutura de uma formação social” (BRANDÃO, 2004, p. 44). Em outras
palavras:
Para nós, a função-autor se realiza toda vez que o produtor da linguagem se
representa na origem, produzindo um texto com unidade, coerência,
progressão, não-contradição e fim. (...) o autor responde pelo que diz ou
escreve pois é suposto estar em sua origem. Assim, estabelecemos uma
correlação entre sujeito/autor e discurso/texto (entre dispersão/unidade, etc.).
A nosso ver, a função de autor é tocada de modo particular pela história: o
autor consegue formular, no interior do formulável, e se constituir, com seu
enunciado, numa história de formulações. O que significa que, embora ele se
constitua pela repetição, esta é parte da história e não mero exercício
mneumônico (ORLANDI, 2007, p. 69).
Para ser um autor, é preciso, segundo a AD, apresentar um texto com unidade, coerência,
além de responder pelo que se diz, ou seja, ser responsável pelo seu dizer. No entanto, não se
trata de uma responsabilidade assumida por um eu, o sujeito empírico, mas que se dá dentro de
uma determinada formulação discursiva. O autor não poderia se constituir apartado de sua
função social e de sua exterioridade (contexto sócio-histórico) (BRANDÃO, 2004).
É importante explicitar que a AD trata da exterioridade não em uma tentativa de
explicação do discurso ou de revelação da intenção de um dado autor ao produzir determinado
texto, como se esse contexto trouxesse uma justificativa para o dizer. Esse contexto, na AD,
nos ajuda a compreender determinadas posições assumidas pelo autor, posições essas que não
podem ser materializadas à revelia da ideologia. Para a AD, a ideologia se materializa
justamente no discurso.
Um livro infantil não há de ser tão perigoso: a ideologia em Quase de verdade, de Clarice Lispector
Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441
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Dessa monta, é possível reconhecer que não existe discurso sem ideologia, do mesmo
modo que não existe texto, livro ou obra que não carreguem determinadas ideologias ou pistas
compreensivas que as situem diante de determinadas condições de produção. Na AD, as
condições de produção se referem às circunstâncias em que determinado discurso é produzido
(PÊCHEUX, 2009). As condições de produção, juntamente com os mecanismos formais,
permitem a produção de um dado discurso, colocando em evidência a relação entre língua e
discurso (efeito de sentido entre locutores). Aqui a figura do autor como sujeito empírico tem
um papel de menor importância, sendo crucial analisar de que modo os efeitos da ideologia
possibilitam determinadas interpretações ao dizer.
Se retomarmos a proposta da Escola sem Partido (BRASIL, 2016b) como um sinônimo
de uma escola sem ideologia, poderemos acessar que esse discurso se tece diante de uma grande
ilusão, de um engodo: se não existe discurso sem ideologia, não escola sem ideologia, não
livros sem ideologia. O que ocorre diante da ilusão operada pela linguagem é que
determinados discursos, como o de uma escola sem ideologia, parecem promover nos
interlocutores um efeito de neutralidade: ao não ter partido, ao não ter ideologia, primar-se-ia
por uma educação neutra, permitindo ao sujeito-educando “apenas aprender”, em uma acepção
exclusivamente cognitiva e descolada da materialidade sócio-histórica que, inclusive, impõe a
escola como instituição que deve ser frequentada por sujeitos até a adolescência/vida adulta.
Buscar desvincular a ideologia no ato educativo é como tentar extirpá-lo de sua própria
essência. Se a ação educativa se propõe, justamente, a formar sujeitos com posicionamento
crítico diante da realidade (DEWEY, 1959) e capazes de transformar aquilo que se apresenta,
propondo relações que não se baseiam na opressão, mas no diálogo (FREIRE, 2010),
reconhecer a ideologia e o seu papel, na escola, na sociedade e em nosso dizer, é, em si,
educativo. Essa forma de pensar a escola e a educação como instâncias “neutras” produz efeitos
que não escapam à onipresença da ideologia, uma vez que a
Própria crítica da ideologia implica uma espécie de lugar privilegiado, como
se a crítica à ideologia fosse isenta das agitações da vida social, que facultaria
a esse sujeito crítico, diante do real, a incrível capacidade de perceber o
mecanismo oculto que regula a visibilidade e a invisibilidade social. Essa
imagem de oferecer uma crítica à ideologia de um ponto de vista supostamente
neutro já não é, em si, ideológica? (FOFANO; RECH, 2021, p. 3).
O engodo representado por esse projeto de lei fica patente justamente quando
compreendemos que a ideologia “parece surgir exatamente quando tentamos evitá-la e deixa de
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aparecer onde claramente se esperaria que existisse” (ŽIŽEK, 1996, p. 9). Ao evitar, a todo
custo, assumir o papel da ideologia em nossa vida e a emergência de uma ideologia que costura
a proposta de uma escola justamente sem ideologia, produz-se, como efeito, o reforçamento de
uma ideologia marcadamente autoritária, totalitária e que não permite ao sujeito educar-se a si
mesmo (DEWEY, 1959).
A escola, aqui, emerge como um aparelho ideológico do Estado (ALTHUSSER, 1980),
representando a censura sobre o dizer e sobre a expressão de sujeitos. Para este autor, a
ideologia deveria ser analisada por meio da luta de classes, ou seja, é a partir da luta de classes
que se pode identificar como há a disputa entre uma ideologia dominante e outra. Os chamados
Aparelhos Ideológicos de Estado são estruturados por meio dessas ideologias (FOFANO;
RECH, 2021).
Nessa ilusão de neutralidade, que se propõe a expandir-se a todos os vértices do trabalho
educativo, algumas obras literárias podem ser “autorizadas” como não oferecendo qualquer
“risco” à educação sem partido. Efeito semelhante pode ser discutido quando a ditadura
brasileira cerceava toda a produção artística e intelectual da época, submetendo à censura todo
o dizer. Era a censura que tinha o poder de autorizar ou não aquilo que seria ou poderia ser
divulgado, que poderia circular. Obras consideradas subversivas ou autores associados ao
comunismo eram sumariamente impedidos de circular, sendo que muitos desses autores eram
torturados e exilados. Um projeto de escola sem partido nada mais opera que a atualização desse
posicionamento, avaliando o que pode e o que não pode circular no espaço escolar.
E é aqui que a ideologia se revela mais uma vez. Ao associarmos a figura de Clarice
Lispector como uma autora que, em vida, não se filiou formalmente a partidos de esquerda, que
não se assumiu comunista, que não escreveu obras reconhecidamente “de esquerda ou
subversivas diante da censura, opera-se a ilusão de tratar-se de uma autora neutra, como se
pudesse ser apartada de seu contexto de produção. Como afirmamos anteriormente ao percorrer
a biografia da autora, Clarice se posicionava ao lado de diversos escritores e intelectuais, muitos
deles perseguidos, violentados e exilados.
Essa ilusão, de pessoa neutra, não subversiva, estende-se àquilo que escreveu.
Retomando o conceito de autoria defendido pela AD, é ilusório que a responsabilidade pelo
dizer seja atribuída exclusivamente a um sujeito empírico. Na “lógica” operada pela escola sem
partido, a ideologia seria a responsável por promover a ilusão de que Clarice, de fato, está na
origem do seu dizer. Como Clarice é discursivizada como autora “autorizada”, também os seus
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escritos são passíveis de circulação. Seus escritos não são, pois, interpretados como
“subversivos”, “perigosos”, ou, ainda, “de esquerda”.
É importante compreender que a autora não se mostra apartada desse contexto. Nenhum
sujeito é neutro, considerando o papel da ideologia na AD, de modo que o sujeito-autor Clarice
também não o era, nem o seu dizer: de família judia, viera da Ucrânia junto dos pais e das irmãs
em busca de melhores condições de vida e também de proteção diante da perseguição dos
judeus na Europa. Já adulta, Clarice se casa com um diplomata, vivendo em diferentes países e
convivendo com políticos e figuras de renome até retornar ao Brasil, já divorciada, no início da
ditadura. Esse contexto protetivo fazia de Clarice uma figura acima de “qualquer suspeita”. Mas
esse pequeno recorte biográfico anuncia, de fato, que a autora não se mostrava neutra em
relação à política e, sobretudo, ao modo como artistas e intelectuais eram tratados em regimes
totalitários.
A ideologia produz o efeito da evidência, de que a interpretação se refere ao acesso a
algo que está lá, que está dado, de naturalização. Para a AD, interpretar não é atribuir sentidos,
o que nos exporia ao efeito exclusivo de um sujeito empírico, mas expor-se à opacidade do
texto. No campo ideológico, a AD trabalha com dois esquecimentos (PÊCHEUX, 2009). O de
número 1, que produz como efeito a ilusão de que o sujeito é a origem do seu dizer, e o de
número 2, que produz a impressão da realidade do pensamento:
Uma concepção discursiva de ideologia estabelece que, como os sujeitos estão
condenados a significar, a interpretação é sempre regida por condições de
produção específicas que, no entanto, aparecem como universais e eternas.
Disso resulta a impressão do sentido único e verdadeiro (ORLANDI, 2007, p.
65).
A ideologia inerente a uma “Escola sem partido”, dessa monta, promoveria, como
efeito, a ilusão de representar a realidade de um pensamento: de que uma escola pode, de fato,
ser construída sem qualquer ideologia. A ideologia dominante, aqui, se sobrepõe para promover
o efeito de que podemos, se nos organizarmos como sociedade e com a ajuda do Estado (projeto
de lei) produzir, efetivamente, uma escola capaz de materializar-se sem ideologia. Essa ilusão,
a de número 2, também ordena que juízos tomados sobre determinadas obras e autores, por
exemplo, cristalizem a identificação dos mesmos como autorizados e lícitos a uma escola sem
partido ou, então, que sejam excluídos desse espaço escolar. Outra ilusão operada é a de que a
possível exclusão de conteúdos, obras e autores possa retirar da escola a ideologia.
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Nesse efeito de interpretação, a ideologia se alinha a algo condenável e que deve ser
extirpado do espaço escolar e da formação do sujeito. Um livro, pois, “com ideologia”, seria
considerado abjeto, não sendo recomendado para leitura e estudo. Por derivação de sentido,
portanto, podemos considerar que todos os livros, por natureza imersos de e na ideologia,
deveriam ser excluídos do espaço escolar. Quase de verdade, como fio condutor de nossa
argumentação, seria alçado à condição de subversivo por, justamente, fazer ranger a ideologia
dominante que naturaliza a exploração, na medida em que produz sentidos de que uma
sociedade crítica e organizada pode se contrapor à exploração e à opressão, de que o diálogo
pode promover a partilha e a união na busca por um objetivo em comum, de que a consideração
pela alteridade pode nos colocar diante da comunhão em oposição à exclusão. O livro é uma
metáfora, muito embora o narrador explicite a sua ancoragem na realidade: “O que vou contar
também parece coisa de gente, embora se passe no reino em que bichos falam” (LISPECTOR,
2010, p. 52).
No entanto, uma escola sem partido ou ideologia, provavelmente, não reconheceria em
Quase de verdade essa potência ideológica. Primeiramente, por Clarice Lispector ser uma
autora reconhecida e sobre a qual não pairam maiores julgamentos sobre a sua filiação
partidária-religiosa-política-amorosa, sendo alçada à condição de neutralidade, em oposição a
autores sabidamente comunistas, como Jorge Amado, associado a uma escola literária mais
diretamente envolvida na discussão de temas sociais e políticos, apenas para citar um exemplo.
Como enfatizado na biografia construída por Montero (2021), Clarice fora acompanha de perto
pela polícia política de 1950 a 1973, embora essa e outras informações da mesma natureza
tenham sido apagadas ou invisibilizadas ao longo do tempo, permitindo a discursivização de
Clarice como autora alienada e estranha às questões políticas e sociais de sua época
(SCORSOLINI-COMIN, 2023).
Em segundo lugar, por Quase de verdade apresentar-se como um livro infantil, voltado
a crianças no início da escolarização. Se Clarice não haveria de ser transgressora ou subversiva
em sua literatura voltada a adultos, por que o seria em textos escritos para crianças? Aqui o
livro infantil parece gozar da mesma ingenuidade, por vezes, atribuída à infância e às crianças.
Mas o projeto “Escola sem Partido” não compreende a infância como uma fase na qual a
ideologia não pode operar ou, então, que um material voltado a esse público não possa ser
identificado como ideológico, pelo contrário.
Isso pode ser exemplificado por meio da recepção do material educativo que ficou
conhecido pejorativamente como “kit gay”, produto derivado do Plano Nacional de Promoção
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da Cidadania e dos Direitos Humanos LGBT (PNPCDH-LGBT), de 2009, destinado à
abordagem e à prevenção ao bullying homofóbico em escolas (Romancini, 2018). Ao condenar
a circulação desse material educativo na escola, diversos movimentos sociais conservadores e
de extrema-direita comunicavam, segundo a ideologia dominante, que a sexualidade não seria
um assunto a ser tratado na escola.
Mas, novamente, retomamos a posição-autora privilegiada de Clarice. Não seria a autora
responsável, pois, por difundir qualquer tipo de ideologia, não dominante, para crianças na
escola. Por essa ilusão de neutralidade, que é um efeito ideológico, a sua obra passaria incólume
a qualquer tipo de julgamento ou de censura. Quase de verdade revela uma Clarice não apenas
atenta ao seu contexto, como disposta a tratar desse assunto com as crianças, ainda que esse não
seja um objetivo declarado pela autora em entrevistas ou mesmo na apresentação do livro ao
público. É nesse ponto que o conceito de autoria, para a AD, nos ajuda a compreender a posição-
autora para além do sujeito empírico Clarice Lispector. Publicada postumamente, Quase de
verdade não evoca a necessidade de uma Clarice empírica a discutir essas questões com as
crianças na escola.
Enquanto “objeto linguístico-histórico” (ORLANDI, 2007, p. 53), Quase de verdade
representa uma materialidade histórica, permitindo diferentes efeitos de sentido. Ao possibilitar
a polissemia, em contraposição ao discurso parafrástico responsável pela ilusão de que os
sentidos já estão dados a priori, Clarice expõe seu texto à opacidade de uma interpretação que
não se apartada da ideologia, mesmo porque isso seria impossível. Reduzir um texto como
Quase de verdade a uma narrativa sobre animais e a natureza deles em uma aproximação com
as fábulas que circulam de modo autorizado no espaço da escolarização infantil, é desconsiderar
a sua potência para discussões mais ampliadas.
Como as galinhas conseguem reconhecer que estavam sendo exploradas? Como a
figueira se sente autorizada a oprimir as galinhas e a roubar-lhes a sua produção, fruto de seu
trabalho? Como a figueira usa da opressão para iludir as galinhas no sentido de que elas
deveriam produzir cada vez mais, pois esta era a natureza delas? Embora as respostas a essas
questões possam ser circunscritas a determinados conceitos no pensamento marxista, é
fundamental que o lugar da interpretação seja respeitado, permitindo ao estudante trabalhar com
a opacidade e com a polissemia, recusando aos sentidos dados, por exemplo, por uma
interpretação marcada pelo efeito do “sem partido”, do “sem ideologia”.
A AD nos permite considerar que sujeito e sentido não podem ser dados a priori, como
se estivessem sempre lá. A ação educativa consiste, justamente, na possibilidade de permitir
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aos estudantes a construção dessas perguntas, ainda que elas não possam ser facilmente
respondidas, ou, ainda, que nem mesmo sejam respondidas. Na posição de sujeito-professor,
cabe ao educador permitir a fruição dos sentidos, abrindo a interpretação a um trabalho coletivo,
histórico, que se materializa no dizer. Uma escola que se propõe, na origem, ser “sem partido”
e “sem ideologia” corrompe a própria existência do espaço escolar. Quando uma instituição
educacional não reconhece a polissemia, ela se reduz a uma mera reprodução da sociedade,
incapaz de desafiar a ideologia dominante. Ao naturalizar os significados, ela compromete sua
própria função em prol da educação.
Considerações finais
Ao final deste ensaio, é importante enfatizarmos a impossibilidade de que qualquer ação
educativa se faça destituída da ideologia. A ideologia atravessa o modo como o espaço
educacional se organiza, como são escolhidos os conteúdos, como se opera ou não a articulação
entre disciplinas, como se permite ou não o livre exercício do posicionamento crítico e da
interpretação. Defendemos, aqui, que a interpretação não deve ser uma tentativa de desvelar o
que se encontra por trás de um texto, como normativamente ocorre no ensino da língua, mas da
possibilidade de que a polissemia se instaure, permitindo o diálogo, a contestação, a crítica, o
embate. A AD se filia a uma atitude que desconstrói a posição-aluno passiva e depositária de
interpretações prontas.
Conforme discutido, a ideologia influencia a emergência da autoria, o que implica que
o estudante, ao adotar os papéis de leitor e autor, deve ser capaz de submetê-los à análise crítica,
à circulação dos significados e à tentativa de evitar a naturalização. De posse desses conceitos,
é possível não apenas problematizar o modo como a educação brasileira vem sendo esvaziada
e destituída de seu potencial para a formação de cidadãos, como também construir novas formas
de responder a esses movimentos operados no plano discursivo e na materialidade.
Concluímos com o convite para que os conceitos de autoria e de ideologia possam ser
mais debatidos nos espaços formativos, da educação básica ao ensino superior, compreendendo
também como a literatura pode se colocar a serviço da humanização, da transformação social,
do pensamento crítico, da democracia e, quiçá, de uma sociedade mais justa. Quase de verdade,
desse modo, alinha-se a esse convite, permitindo que sua interpretação ultrapasse o universo da
fábula e do bestiário, incluindo reflexões que produzam efeitos de sentidos sobre a coletividade,
sobre a organização do trabalho, sobre a exploração e, ainda, sobre a humanização.
Um livro infantil não há de ser tão perigoso: a ideologia em Quase de verdade, de Clarice Lispector
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ŽIŽEK, S. (org.). Um mapa da Ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
Fabio SCORSOLINI-COMIN e Soraya Maria Romano PACÍFICO
Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441
DOI: https://doi.org/10.32930/nuances.v34i00.9262 21
CRediT Author Statement
Reconhecimentos: Os autores agradecem à Profa. Dra. Teise de Oliveira Guaranha Garcia
e à Profa. Dra. Ana Claudia Balieiro Lodi, da FFCLRP-USP, pela leitura inicial do artigo.
Financiamento: CNPq (Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq do primeiro autor).
Conflitos de interesse: Nada a declarar.
Aprovação ética: Trata-se de um ensaio teórico e, portanto, não foi submetido a um Comitê
de Ética em Pesquisa.
Disponibilidade de dados e material: Os materiais utilizados no trabalho estão disponíveis
para acesso por meio das referências utilizadas.
Contribuições dos autores: O primeiro autor foi responsável pela escrita original do texto.
A segunda autora colaborou com a escrita e a revisão do manuscrito.
Processamento e editoração: Editora Ibero-Americana de Educação.
Revisão, formatação, normalização e tradução.
Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441
DOI: https://doi.org/10.32930/nuances.v34i00.9262 1
A CHILDREN’S BOOK SHOULD NOT BE SO DANGEROUS: IDEOLOGY IN
QUASE DE VERDADE, BY CLARICE LISPECTOR
UM LIVRO INFANTIL NÃO HÁ DE SER TÃO PERIGOSO: A IDEOLOGIA EM
QUASE DE VERDADE, DE CLARICE LISPECTOR
UN LIBRO INFANTIL NO DEBE SER TAN PELIGROSO: LA IDEOLOGÍA EN QUASE
DE VERDADE, POR CLARICE LISPECTOR
Fabio SCORSOLINI-COMIN1
e-mail: fabio.scorsolini@usp.br
Soraya Maria Romano PACÍFICO2
e-mail: smrpacifico@ffclrp.usp.br
How to reference this paper:
SCORSOLINI-COMIN, F.; PACÍFICO, S. M. R. A children’s book
should not be so dangerous: Ideology in Quase de Verdade, by
Clarice Lispector. Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente
Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441. DOI:
https://doi.org/10.32930/nuances.v34i00.9262
| Submitted: 15/09/2023
| Revisions required: 25/10/2023
| Approved: 12/11/2023
| Published: 30/12/2023
Prof. Dr. Rosiane de Fátima Ponce
Prof. Dr. Paulo César de Almeida Raboni
Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz
1
University of São Paulo (USP), Ribeirão Preto SP Brazil. Associate Professor at the Department of Psychiatric
Nursing and Human Sciences, Ribeirão Preto College of Nursing, University of São Paulo.
2
University of São Paulo (USP), Ribeirão Preto SP Brazil. Associate Professor at the Department of Education,
Information, and Communication, Faculty of Philosophy, Sciences, and Letters, Ribeirão Preto, University of São
Paulo.
A children’s book should not be so dangerous: Ideology in Quase de Verdade, by Clarice Lispector
Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441
DOI: https://doi.org/10.32930/nuances.v34i00.9262 2
ABSTRACT: In contemporary times, the Brazilian educational context has been marked by
setbacks involving attempts to break with democratic ideals, alongside the presence of
neoliberal ideology. This essay aims to discuss how ideology determines the production and/or
erasure of meanings in the teaching of literature and within the school space. Methodologically,
the corpus was constituted by the work Quase de verdade by Clarice Lispector, which
narrates the epic journey of a collective of birds who oppose the exploitation of their labor,
fighting oppression. Interpretive gestures were produced through the concepts of authorship
and ideology mobilized in the analysis of discourse, drawing from Pecheutian discourse
analysis. These concepts help us understand how literature can serve humanization, social
transformation, critical thinking, and democracy within the school setting. Considering that it
is not possible to construct an educational action devoid of ideology, Quase de verdade
presents itself as a trigger for polysemy and enduring interpretation capable of confronting the
dismantling operated by an illusorily nonpartisan education.
KEYWORDS: Authorship. Ideology. Discourse analysis. Clarice Lispector.
RESUMO: Na contemporaneidade, o contexto educacional brasileiro tem sido marcado por
retrocessos que envolvem a tentativa de ruptura com os ideais democráticos, além da presença
da ideologia neoliberal. Este ensaio busca discutir de que modo a ideologia determina a
produção e/ou o apagamento de sentidos no ensino de literatura e no espaço escolar. Em
termos metodológicos, o corpus foi constituído pela obra Quase de verdade, de Clarice
Lispector, que narra a epopeia de um coletivo de aves que se contrapõem à exploração do seu
trabalho, combatendo a opressão. Os gestos de interpretação foram produzidos por meio dos
conceitos de autoria e ideologia mobilizados na análise do discurso pecheutiana, a AD. Esses
conceitos nos auxiliam a compreender como a literatura pode se colocar, na escola, a serviço
da humanização, da transformação social, do pensamento crítico e da democracia.
Considerando que não é possível conceber uma ação educativa desprovida de ideologia,
“Quase de verdade, na escola” se apresenta como um catalisador da polissemia e de uma
interpretação contínua, capaz de enfrentar os desmantelos promovidos por uma educação
ilusoriamente apartidária.
PALAVRAS-CHAVE: Autoria. Ideologia. Análise do discurso. Clarice Lispector.
Fabio SCORSOLINI-COMIN and Soraya Maria Romano PACÍFICO
Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441
DOI: https://doi.org/10.32930/nuances.v34i00.9262 3
RESUMEN: En la contemporaneidad, el contexto educativo brasileño ha estado marcado por
retrocesos que implican un intento de ruptura con los ideales democráticos, así como por la
presencia de la ideología neoliberal. Este ensayo busca discutir de qué manera la ideología
determina la producción y/o el borrado de sentidos en la enseñanza de la literatura y en el
espacio escolar. En términos metodológicos, el corpus fue constituido por la obra “Quase de
verdade” de Clarice Lispector, que narra la epopeya de un colectivo de aves que se oponen a
la explotación de su trabajo, combatiendo la opresión. Los gestos de interpretación fueron
producidos a través de los conceptos de autoría e ideología movilizados en el análisis del
discurso pecheutiano. Estos conceptos nos ayudan a comprender cómo la literatura puede
ponerse al servicio de la humanización, la transformación social, el pensamiento crítico y la
democracia en la escuela. Considerando que no es posible construir una acción educativa
desprovista de ideología, “Quase de verdade” se presenta como un detonante de la polisemia
y de una interpretación perdurable capaz de hacer frente a los desmontes operados por una
educación ilusoriamente apartidaria.
PALABRAS CLAVE: Autoría. Ideologia. Análisis del discurso. Clarice Lispector.
Introduction
In 2021, we celebrated the centenary of Paulo Freire's birth. In light of this anniversary,
it seems opportune not only to celebrate the work of this educator but also to reclaim many of
the pillars he emphasized in constructing an educational practice committed to social
transformation and individual autonomy (FREIRE, 2010). Despite the undeniable Freirean
legacy for educational thought, we observe concerning regressions in the contemporary
Brazilian educational context, especially at a time when democracy is in question, a trend that
seems to have deepened since the coup in 2016 and the subsequent rise of the far-right to power
between the years 2018 and 2022.
We live in a contemporary world where the deconstruction of the school as a space of
freedom and expression of free thought is taking place. This statement can also be applied to
the university, increasingly dominated by prevailing ideologies that signal their commitment to
neoliberalism, to the production of professionals exclusively for the logic of the market, to be
entrepreneurs who can deal with their frustrations supported by a so-called emotional
intelligence capable of ensuring conformity with the roles they occupy and with the oppression
suffered through attitudes grounded in the maxims of resilience, empathy, and gratitude, a
movement that seems close to that criticized byFreire (2010).
The development of individual emotional competence would thus promote a subject
seduced by the illusion of being successful, of being innovative, and of responding to the
A children’s book should not be so dangerous: Ideology in Quase de Verdade, by Clarice Lispector
Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441
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challenges currently imposed, when, in fact, it would only reaffirm their place of oppression.
As we will discuss next, contemporary education appears increasingly aligned with this
purpose.
These principles have been presented as curricular innovations. In high school, for
example, we have witnessed the implementation of a National Common Curricular Base, the
so-called BNCC (BRASIL, 2016a), which establishes competency-based education: as a result
of this thinking, learning, and teaching are described as actions aimed at transforming the
individual into someone more competent, especially for the market. The disciplines of
humanities and social sciences are diluted among other knowledge areas, no longer interested
in shaping a humanized, critical individual, but rather an eminently useful one.
In the field of literature education, for example, the concern brought by Antonio
Candido (2011) fundamentally disappears: that of literature as a possibility for the humanization
of the individual. In the BNCC proposal, literature becomes porous to other contents not in the
sense of promoting interdisciplinary reflections, but precisely as utilitarian concepts for
understanding many other notions defined in this document as useful for future entrepreneurs.
As an entrepreneur of oneself and one's own career, this student, upon completing high school,
has the illusion of being able to control their own life through individual choices, refusing to
understand that they are immersed in a network of determinations stitched by the ideology of
which they present themselves as a successful product.
According to Candido (2011), literature contributes to the humanization of the
individual by enabling critical thinking, positioning, and experience and being elevated to a
condition of right. Thus, it presents itself as a tool capable of allowing the individual not only
to understand the power structures that sew their relationships and discourses but also allow for
aesthetic enjoyment responsible for the connection with the beautiful, with emotion, with what
truly constitutes our process of humanization.
When educational discourses at different levels, from basic education to higher
education, reinforce individualistic positions, they contribute to the promotion of an education
that cannot have its discomfort shared, that cannot be structured through doubt or
incompleteness, paths conducive to the emergence of imagination, as proposed by Dewey
(1959) and corroborated by authors such as Candido (2011). Similarly, transformative
education cannot be embodied (FREIRE, 2010).
This essentially individualistic stance reinforces the subject's alienation, subjecting them
to the illusion of being solely responsible for their development and also for their speech
Fabio SCORSOLINI-COMIN and Soraya Maria Romano PACÍFICO
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(PÊCHEUX, 2009). Thus, education grounded in humanism and democracy, through shared
and distributed actions, can be a potent path to combat fascism in society and also in education.
Sharing and distribution are promoted as democratic attitudes, which, in Paulo Freire's view,
highlight the role of dialogue in its social purpose, which leads to liberation and refuses
domination and alienation (FREIRE, 2010).
Given the presented panorama, this essay seeks to discuss how ideology determines the
production and/or erasure of meanings in the teaching of literature and the school space. To do
so, we will construct a problematization using as reference the book "Quase de verdade" by
Clarice Lispector, originally published in 1978. Although she is more recognized for texts
aimed at adults, the author's production aimed at children and adolescents has been recovered
in recent years (SCORSOLINI-COMIN, 2021), in works such as A vida íntima de Laura, O
mistério do coelho pensante and, as highlighted in this essay, Quase de verdade (LISPECTOR,
2010).
The works of Clarice in schools enjoy significant prestige, given the argument of
authority built in relation to the author. Thus, it is very likely that no one dares to question the
quality of Clarice's text or the relevance of her texts for different purposes, whether in
discussing authorship, developing reading and writing skills, or even teaching literature within
the school (SCORSOLINI-COMIN; PACÍFICO, 2023).
In light of this argument, we emphasize that it is very likely that Clarice Lispector is not
a restricted author in the school space, both due to her recognized authority and the remnants
of a critique that positions her as an author separated from her social context. This makes the
use of her books legitimate, especially when working with children, as in the case of the book
"Quase de verdade" (LISPECTOR, 2010). Returning to the title of this essay: a children's book
should not be so dangerous!
Methodologically, this essay is situated, theoretically and epistemologically, in the
analysis of Pecheutian discourse (PÊCHEUX, 2009; ORLANDI, 2007), hereinafter referred to
as AD. The subject of AD is the subject of ideology and the unconscious, a subject subjected
to ideology through language and through the tongue. Ideology captures the subject through an
unconscious movement, whereby they cannot control or reject ideology, for example. The
control of meanings is an illusion. AD emerges from the interstice of three major areas:
linguistics, historical materialism, and psychoanalysis (BRANDÃO, 2004).
With this genealogy, AD subverts the way language, linguistics, and discourse were
conceived until then, in the 1960s, surpassing normativity and seeking to think more proactively
A children’s book should not be so dangerous: Ideology in Quase de Verdade, by Clarice Lispector
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about how socio-historical determinations can materialize in discourses. Language, in this
conception, is not something transparent but is constituted in opacity. Based on this theoretical-
methodological assumption, the production context of this essay, supported by movements that
have questioned the ideologies circulating in the school space, will be addressed more closely
below.
Ideology in the School Space
In the educational context, some contemporary movements have become particularly
concerning due to their authoritarian nature and the restriction of schools as spaces of freedom.
This is the case with Bill No. 193/2016, known as the "School Without Party" project, which
seeks, in essence, to punish what it calls "ideological harassment" in schools (CAPAVERDE;
LESSA; LOPES, 2019). According to Macedo (2017), the discussion of this initiative originates
from a debate promoted by ultraconservative students and parents who are concerned about the
so-called "political-ideological contamination of Brazilian schools".
This concern gave rise to bills in 2015 and 2016 that aimed to amend the National
Education Guidelines and Bases Law (LDB), with the inclusion of a program called "school
without party" (BRAZIL, 2016b). With this program, the school becomes a field for restricting
any and all reflections that may question lifestyles and worldviews, reinforcing culturally
constructed taboos regarding topics such as politics, religion, sexuality, and even philosophies
considered transgressive.
In higher education, we witness the increasingly evident logic of exclusive training for
the market, stripping the university of its formative role and its ability to foster critical thinking.
The separation from this critical thinking can be exemplified by the way private initiatives have
become increasingly present in higher education, through seductions operated in a world of
ever-developing technologies, with applications and startups, and through increasing
internationalization.
According to Zanon (2019), new forms of so-called flexible work are increasingly
present in education, especially when we consider higher education in close dialogue with
market needs. The seduction operated by these new models, imbued with references to
innovation, entrepreneurship, and the creative potential of the worker, promotes the linking of
desires and affections to the dimension of work. When captured by this ideology, the individual
strives to produce more and more, having the illusion that their work is innovative and
Fabio SCORSOLINI-COMIN and Soraya Maria Romano PACÍFICO
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differentiates itself from others when, in reality, it only reinforces a trend that is established at
the level of discourse. Thus, it is an ideology that cannot be refused.
According to Sousa and Coimbra (2021), these changes are part of an "agenda of
dismantling public assets, of the State's disengagement from maintaining social policies, of
measures to restrict public spending, and of reforms that directly attack the rights of the
population" (p. 1054, our translation), which directly interferes with how education is embodied
both in terms of investments and reflections on its role in a society marked by this agenda. In
graduate programs, for example, critical exercise has given way, for instance, to the need for
students to construct theses and dissertations, but products no longer.
By naming products that can be developed over two to five years of graduate studies,
the commitment is reinforced not necessarily to the production of knowledge but to production
for the market. Graduate education, like high school, needs to be useful, generating what has
been called innovation. Being entrepreneurial and innovative, in this context, means fully
meeting market expectations and responding to neoliberal rationality (DARDOT; LAVAL,
2016).
Internationalization, although it allows for the exchange between teachers and students
with institutions worldwide, still relies on an eminently colonialist logic, that it is important for
us to know other models apart from our reference context, only reinforcing the United States-
Europe axis as the center of knowledge. Thus, our country is anchored in the logic of a locus
that must be studied, often from a fetishized perspective of our social reality, but cannot produce
scientific knowledge by itself (SCORSOLINI-COMIN, 2020).
It must be considered that educational and scientific development is not only achieved
through financial investment but also through the construction of an agenda that values figures
such as the teacher and the researcher, for example. With this essay, we do not aim to deny the
contemporary world as it presents itself and, fundamentally, the role of the dominant ideology.
It should be allowed for the individual, student, and graduate student to access how this
ideology has stitched its actions and solidified in educational institutions.
For this purpose, it is essential that current business terms in schools and universities,
entrepreneurship, market, and innovation, be problematized as much as those referring more to
the order of the subject, emotional intelligence, gratitude, empathy, and resilience, just as the
A children’s book should not be so dangerous: Ideology in Quase de Verdade, by Clarice Lispector
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dominant discursive formation
3
tries to naturalize. These markers cannot be understood apart
from the ideology which, as we will present later, is a fundamental concept for pecheutian
discourse analysis, a reference that stitches this essay together. But how can literature contribute
to the reflections addressed here? This is what we will discuss next, through Clarice's work.
The Social in Clarice
Clarice Lispector, whose centenary was celebrated in 2020, is one of the most
internationally renowned Brazilian writers (GOTLIB, 2009). Despite her recognition and the
penetration of her work into different spaces, such as schools, some representations of the
author still do not always correspond to her production. One of them refers to the fact that
Clarice is often identified as an author who explored an intrapsychic universe in her titles, being
separated from more burning social discussions. To counter this argument, spread in criticism
and essays, it is important to refer to some biographical elements of the author, a journey
undertaken by authors such as Nádia Gotlib and Teresa Montero.
Born in Ukraine in 1920, she arrived in Brazil, accompanying her parents and older
sisters who were fleeing the civil war that was occurring in that country at the end of World
War I, which was divided between Ukrainian nationalist separatist forces and Russian
communist forces. Although she never practiced Law, she graduated in Law because, since
childhood, "(...) I promised myself that one day this would be my task: to defend the rights of
others" (GOTLIB, 2009, p. 131, our translation). When she married, she lived abroad for years
with her husband, who was a diplomat. Throughout this time, she remained connected to Brazil
through correspondence with her sisters and friends. She returned to Brazil with her two young
children in 1959 when she separated from her husband. In her way, Clarice participated in the
political life of her country, although she was not properly recognized as a militant.
In 1968, during the Brazilian dictatorship, Clarice participated, along with artists and
intellectuals such as Ziraldo, Milton Nascimento, and Oscar Niemeyer, in a popular
demonstration against the violence imposed by the military. This participation, publicized by
the media of the time, receives the attention of her biographers precisely because it is one of
the few public expressions in which the author speaks out (GOTLIB, 2009; MONTERO, 2021;
MOSER, 2017). Although described as detached from this political context in some of her
3
Discursive formation (FD) refers to everything that can and should be said within a socio-historical situation.
Thus, the subject produces their discourse from a specific socio-ideological position, determining which meanings
can be conveyed.
Fabio SCORSOLINI-COMIN and Soraya Maria Romano PACÍFICO
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biographies, Clarice expresses her desire for justice, her indignation at poverty, and her
astonishment at the Brazilian reality at the time.
This author's connection to the social and political sphere is emphasized, especially in
her more recent biographies, such as the one published by Teresa Montero in 2021. In her
research, Montero (2021) highlights the author's deep discomfort with the Military Dictatorship.
It also reveals that the author was monitored by the regime for being Jewish and part of an
intellectual elite that fought for democracy, being monitored by the political police from 1950
to 1973. Thus, the speculation about the author's apparent "alienation" from the political and
social context of her time is refuted (SCORSOLINI-COMIN, 2023).
The contours of this engagement can also be observed in some of her texts. Among her
most celebrated works is A hora da estrela
4
, the author's last novel, which narrates the epic of
Macabéa, a Northeastern migrant in Rio de Janeiro. For some critics, it is only in this final
publication that Clarice seems to make her social concerns clear (MOSER, 2017). However,
these markers can be identified throughout her work, as Clarice did not shy away from
meaningful discussions, such as the role of women in our society. She herself represented the
rise of femininity no longer subjected to the yoke of her husband, seeking her independence
and, above all, her relevance as a writer in a male-dominated scene at the time.
Furthermore, Clarice represents many emerging questions in her reference context,
many of them being evident to this day, as explored in the short story "Mineirinho," which
weaves meanings against the violence with which a criminal is brutally murdered, with 13
shots: "A prior justice that would remember that our great struggle is that of fear, and that a
man who kills a lot is because he has been very afraid" (LISPECTOR, 2016, p. 390, our
translation).
Clarice has become an author synonymous with literary credibility, with quality writing,
to the extent that excerpts from her texts are disseminated uncontrollably on social media
(OLIVEIRA, 2018; SCORSOLINI-COMIN; RODRIGUES; PACÍFICO, 2023), almost always
reaffirmed in a position of prestige, of authority, and responsibility for what is said. Thus,
reading or working with the author's work can be synonymous with profound literary
knowledge. It is for this reason that texts such as the short story Amor and the book "The Hour
of the Star" have been required readings in entrance exams such as those of the State University
of Campinas and the University of São Paulo, respectively, just to mention two examples. But
what about her production aimed at children?
4
The Hour of the Star.
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In Quase de verdade, a book narrated by the character dog Ulisses, the author addresses
life on a farm, where each species is dedicated to a specific task. At one point, the chickens,
who were responsible for producing eggs, were exploited by a fig tree that did not bear fruit.
This tree, realizing that the chickens laid eggs only when there was light, makes a pact with a
witch who starts to illuminate its canopy: "I want to sell these eggs and make a lot of money"
(LISPECTOR, 2010, p. 56, our translation). Thus, with the tree permanently illuminated, the
chickens start laying eggs all day long, even at night, generating great profit for the fig tree,
which starts selling all the production.
The birds take a while to understand what is happening, only complaining about being
exhausted. The rooster Ovídio is also exploited: "It so happened that the hens were scared
because they never slept again, as they laid eggs non-stop, all the time. As for Ovídio, he got in
trouble: since he thought it was daytime, he became hoarse from crowing so much"
(LISPECTOR, 2010, p. 57, our translation). By this point, the fig tree is tallying its profit:
"Meanwhile, the fig tree collected eggs that weren't life and everything to sell and become a
millionaire. And it paid nothing to the hens, not with corn, not with worms, not with water. It
was just that slavery" (p. 57, our translation).
The situation of exploitation of labor only ceases when the hens and roosters, organized
against the oppression of the fig tree, come together: "(...) they went against the dictatorial fig
tree, they were demanding their rights, laying eggs for themselves, claiming food, water, sleep,
and rest" (LISPECTOR, 2010, p. 58, our translation). To do so, they put a plan into action: they
then throw the eggs produced against the fig tree, breaking them all: "(...) they fell to the ground,
breaking them all, and it was shells over there, yolks over there, whites around here, all rotting
in the soil. Is it a shame to sacrifice so many eggs? Yes, but sometimes we need to make a
sacrifice" (p. 59-60, our translation). Not even the witch, the accomplice of the fig tree, supports
it at this moment.
After the organized movement, the hens then only produce when there is light, that is,
only during the day, returning to normality. With this brief description of the plot, we will
problematize, according to the Pecheutian discourse analysis, how the concepts of authorship
and ideology help us understand how literature can be used in schools in the service of
humanization (CANDIDO, 2011), social transformation (FREIRE, 2010), critical thinking, and
democracy (DEWEY, 1959).
Fabio SCORSOLINI-COMIN and Soraya Maria Romano PACÍFICO
Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 34, n. 00, e023018, 2023. e-ISSN: 2236-0441
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Authorship and Ideology
In AD, authorship is not located in an empirical subject, as if the individual
characteristics of the writer, in this case, Clarice, were sufficient to explain how a particular
text or work is produced. Beyond the particular aspects and traits of an author, an aspect that
dominates authorship studies even today, Pêcheux (2009), in AD, works with the positions
assumed by the author, seeing "in the protagonists of discourse not the physical presence of
individual human organisms, but the representation of determined places in the structure of a
social formation" (BRANDÃO, 2004, p. 44, our translation). In other words:
For us, the author function is realized every time the language producer
represents themselves at the origin, producing a text with unity, coherence,
progression, non-contradiction, and an end. (...) the author is accountable for
what they say or write because they are supposed to be at their origin. Thus,
we establish a correlation between subject/author and discourse/text (between
dispersion/unity, etc.). In our view, the author's function is touched upon in a
particular way by history: the author manages to formulate, within the
formulable, and constitute themselves, with their statement, in a history of
formulations. This means that, although they are constituted by repetition, this
is part of history and not merely a mnemonic exercise (ORLANDI, 2007, p.
69, our translation).
To be an author, according to AD, one must present a text with unity and coherence and
also be accountable for what is said; in other words, be responsible for their discourse. However,
this is not a responsibility assumed by an "I," the empirical subject, but one that occurs within
a certain discursive formulation. The author could not be constituted apart from their social
function and exteriority (socio-historical context) (Brandão, 2004).
It is essential to clarify that AD addresses exteriority not in an attempt to explain
discourse or reveal a given author's intention in producing a certain text, as if this context
provided justification for the speech. This context, in AD, helps us understand certain positions
taken by the author, positions that cannot be materialized independently of ideology. For AD,
ideology materializes precisely in discourse.
In this sense, it is possible to recognize that there is no discourse without ideology, just
as no text, book, or work does not carry certain ideologies or clues that situate them in specific
production conditions. In AD, production conditions refer to the circumstances in which a
particular discourse is produced (PÊCHEUX, 2009). Production conditions, along with formal
mechanisms, allow for the production of a given discourse, highlighting the relationship
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between language and discourse (the sense effect between speakers). Here, the author's figure
as an empirical subject plays a less important role, and it is crucial to analyze how the effects
of ideology enable certain interpretations of speech.
If we revisit the proposal of the "School without Party" (BRASIL, 2016b) as
synonymous with a school without ideology, we can understand that this discourse is woven in
the face of a great illusion, a deception: if there is no discourse without ideology, there is no
school without ideology, there are no books without ideology. What happens in the face of the
illusion operated by language is that certain discourses, such as that of a school without
ideology, seem to promote in the interlocutors an effect of neutrality: by not taking sides, by
not having ideology, it would prioritize a neutral education, allowing the learner to "just learn,"
in an exclusively cognitive sense, detached from the socio-historical materiality that, in fact,
imposes school as an institution that must be attended by individuals until
adolescence/adulthood.
Attempting to unlink ideology from the educational act is like trying to extract it from
its essence. If educational action aims precisely to educate individuals with a critical stance
towards reality (DEWEY, 1959) and capable of transforming what is presented, proposing
relationships that are not based on oppression but on dialogue (Freire, 2010), recognizing
ideology and its role in school, in society, and our discourse is, in itself, educational. This way
of thinking about school and education as "neutral" instances produces effects that do not escape
the omnipresence of ideology, since the
The critique of ideology itself implies a kind of privileged position, as if the
critique of ideology were exempt from the agitations of social life, which
would grant to this critical subject, facing reality, the incredible ability to
perceive the hidden mechanism that regulates social visibility and invisibility.
Is this image of offering a critique of ideology from a supposedly neutral
standpoint not, in itself, ideological? (FOFANO; RECH, 2021, p. 3, our
translation).
The deception represented by this bill becomes evident precisely when we understand
that ideology "seems to arise exactly when we try to avoid it and ceases to appear where one
would clearly expect it to exist" (ŽIŽEK, 1996, p. 9, our translation). By avoiding at all costs
assuming the role of ideology in our lives and the emergence of an ideology that stitches
together the proposal of a school precisely without ideology, the reinforcement of a markedly
authoritarian, totalitarian ideology is produced as an effect, one that does not allow individuals
to educate themselves (DEWEY, 1959).
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The school here emerges as an ideological apparatus of the State (ALTHUSSER, 1980),
representing censorship over the speech and expression of individuals. For this author, ideology
should be analyzed through the class struggle, that is, it is through the class struggle that one
can identify the dispute between a dominant ideology and another. The so-called Ideological
State Apparatuses are structured through these ideologies (FOFANO; RECH, 2021).
In this illusion of neutrality, which aims to extend to all aspects of educational work,
certain literary works may be "authorized" as not posing any "risk" to non-partisan education.
A similar effect can be discussed when the Brazilian dictatorship censored all artistic and
intellectual production of the time, subjecting all speech to censorship. It was censorship that
had the power to authorize or not authorize what could be or could be circulated. Works
considered subversive, or authors already associated with communism were summarily
prevented from circulating, with many of these authors being tortured and exiled. A school
without a party project operates nothing more than updating this stance, evaluating what can
and cannot circulate in the school space.
And here is where ideology reveals itself once again. By associating the figure of Clarice
Lispector as an author who, in life, did not formally affiliate with left-wing parties, who did not
identify as a communist, who did not write works recognized as "left-wing" or subversive in
the face of censorship, the illusion is created of her being a neutral author, as if she could be
separated from her production context. As we stated earlier, when tracing the author's
biography, Clarice aligned herself with various writers and intellectuals, many of whom were
persecuted, violated, and exiled.
This illusion of neutrality, of being non-subversive, extends to what she wrote.
Returning to the concept of authorship advocated by DA, it is illusory to attribute the
responsibility for speech exclusively to an empirical subject. In the "logic" operated by the non-
partisan school, ideology would be responsible for promoting the illusion that Clarice, in fact,
is at the origin of her speech. As Clarice is discursively constructed as an "authorized" author,
so are her writings subject to circulation. Her writings are not, therefore, interpreted as
"subversive," "dangerous," or even "left-wing."
It is essential to understand that the author does not appear separated from this context.
No individual is neutral, considering the role of ideology in DA, so the author-subject Clarice
was not neutral either, nor was her speech: of Jewish descent, she came from Ukraine with her
parents and sisters in search of better living conditions and also protection from the persecution
of Jews in Europe. As an adult, Clarice married a diplomat, living in different countries and
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associating with politicians and prominent figures until returning to Brazil, already divorced, at
the beginning of the dictatorship. This protective context made Clarice a figure above "any
suspicion." But this small biographical excerpt already announces, in fact, that the author was
not neutral regarding politics and, above all, the way artists and intellectuals were treated in
totalitarian regimes.
Ideology produces the effect of evidence, that interpretation refers to accessing
something that is already there, given, or naturalized. For DA, interpreting is not assigning
meanings, which would expose us to the exclusive effect of an empirical subject, but exposing
oneself to the opacity of the text. In the ideological field, DA works with two forgettings
(Pêcheux, 2009). Number 1, which produces the illusion that the subject is the origin of their
speech, and number 2, which produces the impression of the reality of thought:
A discursive conception of ideology establishes that, as subjects are
condemned to signify, interpretation is always governed by specific
production conditions that, however, appear as universal and eternal. This
results in the impression of a single and true meaning (ORLANDI, 2007, p.
65, our translation).
The ideology inherent in a "School without party" project, to this extent, would promote,
as an effect, the illusion of representing the reality of thought: that a school can indeed be built
without any ideology. The dominant ideology here overrides to promote the effect that we can,
if we organize ourselves as a society and, with the help of the State (bill project), effectively
produce a school capable of materializing without ideology. This illusion, number 2, also orders
that judgments taken about certain works and authors, for example, crystallize their
identification as authorized and lawful for a non-partisan school or, alternatively, be excluded
from this school space. Another illusion operated is that the possible exclusion of content,
works, and authors can remove ideology from the school.
In this effect of interpretation, ideology aligns with something condemnable, and that
must be eradicated from the school space and the formation of the individual. A book, therefore,
"with ideology," would be considered abject and not recommended for reading and study. By
extension of meaning, therefore, we might consider that all books, by their very nature
immersed in and influenced by ideology, should be excluded from the school space. Quase de
verdade (Almost True), as the guiding thread of our argumentation, would be elevated to the
status of subversive precisely because it grates against the dominant ideology that naturalizes
exploitation, insofar as it produces meanings that a critical and organized society can oppose
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exploitation and oppression, that dialogue can promote sharing and unity in pursuit of a
common goal, that consideration for alterity can place us before communion as opposed to
exclusion. The book is a metaphor, although the narrator explicitly states its anchorage in
reality: "What I'm going to tell also seems like something people do, although it happens in the
kingdom where animals talk" (LISPECTOR, 2010, p. 52, our translation).
However, a school without party or ideology would probably not recognize in Quase de
verdade this ideological potency. Firstly, because Clarice Lispector is a recognized author about
whom no major judgments hover regarding her party-religious-political-amorous affiliation,
being elevated to the condition of neutrality, as opposed to authors known to be communist,
such as Jorge Amado, associated with a literary school more directly involved in the discussion
of social and political issues, just to cite an example. As emphasized in the biography
constructed by Montero (2021), Clarice was closely monitored by the political police from 1950
to 1973, although this and other similar information have been erased or made invisible over
time, allowing for the discourse of Clarice as an alienated author estranged from the political
and social issues of her time (SCORSOLINI-COMIN, 2023).
Secondly, because Quase de verdade presents itself as a children's book, aimed at
children in the early stages of schooling. If Clarice were not to be transgressive or subversive
in her literature aimed at adults, why would she be in texts written for children? Here, the
children's book seems to enjoy the same innocence, at times, attributed to childhood and
children. However, the "School without Party" project does not understand childhood as a phase
in which ideology cannot operate, or that material aimed at this audience cannot be identified
as ideological; quite the contrary.
This can be exemplified through the reception of educational material pejoratively
known as the "gay kit," a derivative product of the National Plan for the Promotion of LGBT
Citizenship and Human Rights (PNPCDH-LGBT), from 2009, intended for addressing and
preventing homophobic bullying in schools (ROMANCINI, 2018). By condemning the
circulation of this educational material in schools, various conservative and far-right social
movements communicated, according to the dominant ideology, that sexuality should not be a
subject addressed in schools.
But, again, we return to Clarice's privileged authorial position. Would the author not be
responsible, then, for disseminating any kind of non-dominant ideology to children in school?
Due to this illusion of neutrality, which is an ideological effect, her work would pass unscathed
from any kind of judgment or censorship. Quase de verdade reveals that Clarice is not only
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attentive to her context but also willing to address this subject with children, even though this
is not a stated objective by the author in interviews or even in the presentation of the book to
the public. It is at this point that the concept of authorship, for DA, helps us understand the
authorial position beyond the empirical subject Clarice Lispector. Published posthumously,
Quase de verdade does not evoke the need for an empirical Clarice to discuss these issues with
children in school.
As a "linguistic-historical object" (ORLANDI, 2007, p. 53), Quase de verdade
represents a historical materiality, allowing for different effects of meaning. By enabling
polysemy, as opposed to the paraphrastic discourse responsible for the illusion that meanings
are already given a priori, Clarice exposes her text to the opacity of an interpretation that cannot
be separated from ideology, because that would be impossible. Reducing a text like Quase de
verdade to a narrative about animals and their nature in an approach similar to the fables
authorized within the space of children's education disregards its potential for broader
discussions.
How do the chickens recognize that they are being exploited? How does the fig tree feel
authorized to oppress the chickens and steal their production, the result of their labor? How
does the fig tree use oppression to deceive the chickens into believing that they should produce
more and more, as this was their nature? Although the answers to these questions may be
circumscribed to certain concepts in Marxist thought, the place of interpretation must be
respected, allowing the student to work with opacity and polysemy, rejecting meanings already
given, for example, by an interpretation marked by the "without party," "without ideology"
effect.
DA allows us to consider that subject and meaning cannot be given a priori, as if they
were always there. Educational action consists precisely of allowing students to construct these
questions, even if they cannot be easily answered or if they are not answered at all. In the
position of the teacher-subject, it is up to the educator to allow the enjoyment of meanings,
opening interpretation to collective, historical work that materializes in speech. A school that
proposes, from the outset, to be "without a party" and "without ideology" corrupts the very
existence of the school space. When an educational institution does not recognize polysemy, it
is reduced to a mere reproduction of society, incapable of challenging dominant ideology. By
naturalizing meanings, it compromises its own function in favor of education.
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Final considerations
At the end of this essay, it is essential to emphasize the impossibility of any educational
action being devoid of ideology. Ideology permeates how the academic space is organized, how
content is chosen, how the articulation between disciplines operates or not, and how the free
exercise of critical positioning and interpretation is allowed or not. Interpretation should not be
an attempt to unveil what lies behind a text, as normatively occurs in language teaching, but
rather the possibility for polysemy to be established, allowing dialogue, contestation, criticism,
and confrontation. DA aligns with an attitude that deconstructs the passive student position,
which is merely the repository of ready-made interpretations.
As discussed, ideology influences the emergence of authorship, which implies that the
student, when adopting the roles of reader and author, must be able to subject them to critical
analysis, to the circulation of meanings, and to attempt to avoid naturalization. Armed with
these concepts, it is possible not only to problematize the way Brazilian education has been
emptied and deprived of its potential for citizen formation, but also to build new ways to
respond to these movements operated in the discursive and material realms.
We conclude with an invitation for the concepts of authorship and ideology to be further
debated in formative spaces, from basic education to higher education, also understanding how
literature can serve humanization, social transformation, critical thinking, democracy, and,
perhaps, a fairer society. "Quase de verdade," thus, aligns with this invitation, allowing its
interpretation to surpass the universe of fable and bestiary, including reflections that produce
effects of meaning on collectivity, work organization, exploitation, and even humanization.
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CRediT Author Statement
Acknowledgements: The authors would like to thank Prof. Dr. Teise de Oliveira Guaranha
Garcia and Prof. Dr. Ana Claudia Balieiro Lodi from FFCLRP-USP for their initial review
of the article.
Funding: CNPq (National Council for Scientific and Technological Development)
(Research Productivity Scholarship from CNPq for the first author).
Conflicts of interest: The authors declare no conflicts of interest.
Ethical approval: This is a theoretical essay and, therefore, was not submitted to a Research
Ethics Committee.
Data and material availability: The materials used in the work are available for access
through the references cited.
Author’s contributions: The first author was responsible for the original writing of the
text. The second author contributed to the writing and revision of the manuscript.
Processing and editing: Editora Ibero-Americana de Educação.
Proofreading, formatting, normalization and translation.